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UMA VISITA À ILHA GRANDE – RIO DE JANEIRO – JUNHO DE 2017

No dia 25 de junho de 2017 , partimos Cledson Barboza , Maurício Verboonen e eu, no rumo da Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro,...

sábado, 15 de julho de 2017

VISITA A UM NOVO HABITAT DE WORSLEYA PROCERA – JULHO DE 2017


Worsleya procera – família Amaryllidaceae
Imperatriz-da-serra

Imagine ter que percorrer longa e inclinada encosta, atravessando densos emaranhados de capim, onde seus pés afundam, em meio ao desconhecido, torcendo para se encontrarem longe as jararacas, àquela hora da manhã; cruzando florestas de altitude e abrindo caminho entre as japecangas que mais parecem navalhas afiadas; para depois ainda galgar perigosos aglomerados de rochas soltas do tálus de uma imensa rocha, sendo atacado por centenas de carrapatos-micuins famintos (sendo severamente alérgico às suas picadas); para chegar ao pé de um paredão íngreme, que se ergue acima de você, algumas centenas de metros, e olhar extasiado para o que tanto buscou: velhas touceiras inatingíveis de rabos-de-galo (Worsleya procera – família Amaryllidaceae) resistindo ao destino que parece ter-lhes sido traçado pelo homem – o desaparecimento.

Pois foi essa nossa experiência, no dia 13 de julho de 2017, quando saímos no rumo deste maravilhoso encontro com uma admirável população disjunta dessa raríssima planta fluminense. Guiava-me meu colaborador do JARDIM FITOGEOGRÁFICOEzequiel Botelho – que passara sua infância naquela região, tendo testemunhado a intensa coleta comercial dessa joia botânica, nos idos dos anos 1980 – 1990, quando a planta conheceu fama e celebridade, nos jardins de Itaipava e até mesmo fora do país. Garantia-me ele que a planta ocorria por lá, bem distante de sua área mais conhecida de ocorrência (Serra da Maria Comprida), o que era sabido naqueles tempos, mas caíra no esquecimento dos cientistas e conservacionistas das últimas décadas. Quis então me conduzir ao ecossistema, para que eu conferisse essa ocorrência.

A zona central de ocorrência de Worsleya procera (até pouco tempo conhecida como W. rayneri) é mesmo a Serra da Maria Comprida, onde o Botânico Gustavo Martinelli estudou minuciosamente suas populações, entre os anos 1980 e 1990. Também estende sua presença ao trecho montanhoso entre o bairro petropolitano do Retiro e a RPPN Graziela Maciel Barroso, próximo à BR040 (ver link - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/11/rppn-graziela-maciel-barroso-novembro.html ). Mas, mesmo essas disjunções se relacionam de modo proximal àquela Serra da Maria Comprida, tendo sido todos esses núcleos intensamente coletados, de forma criminosa, até os dias atuais, o que ajudou a levar a planta ao limiar de estado criticamente ameaçado.

O que dizer dessa população da planta, segregada mais de 14km de sua área central de ocorrência e 18km da RPPN Graziela Maciel Barroso? Entre essas áreas, estende-se imensa área deprimida, na qual dominam terrenos colinosos, em altitudes incompatíveis com a ecologia dos rabos-de-galo, nos quais ela não poderia ter sobrevivido, mesmo antes da chegada do ser humano à Região Serrana de Petrópolis. Sabemos que a espécie não se propaga facilmente, sequer o fazendo por transporte em correntes de ar ou de carona digestiva de aves e outros bichos. Como poderíamos explicar esse padrão disjunto de ocorrência, até os dias atuais?

Ao longe, podia-se observar a Serra da Maria Comprida, onde estão os principais habitats do rabo-de-galo

Tais indagações não serão respondidas aqui, no nosso blog das Expedições Fitogeográficas, pois demandariam longas reflexões, que não são objeto para este espaço. Vamos observar aspectos desta excursão, sendo que você ainda poderá ver mais numa postagem de 01 de dezembro de 2014 (link - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2014/12/excursao-ao-habitat-de-hoffmannseggella.html ), que relata uma outra excursão à Serra da Maria Comprida, na Zona de Vida Silvestre da APA-Petrópolis.

Abaixo – Aspecto internos da floresta de altitude, na área abaixo do habitat de Worsleya procera, bastante similar fisionomicamente àquele das matinhas de altitude da RPPN Graziela Maciel Barroso, onde também ocorre o rabo-de-galo. Aqui, no entanto, mostra-se mais seca e menos abundante de epífitas, por ser mais continental



A Seguir – Imagens que mostram o novo habitat de Worsleya procera, examinado nesta data





Fotos adiante – A competição mostra ser um dos aspectos da prosperidade das plantas, nos paredões de pedra da região, como seria de se imaginar: Worsleya procera trava combate constante com plantas como Alcantarea imperialis (família Bromeliaceae), também ela uma planta ameaçada pela coleta criminosa




Acima – Muitas plântulas de rabo-de-galo caem dos paredões, durante enxurradas ou quedas de placas de gnáisse, que varrem continuamente essas ilhas de plantas rupícolas. Algumas delas ainda resistem bravamente, em meio à vegetação de tálus, no pé da imensa rocha (base da foto ao centro). Não resistirão por muito tempo

Orlando Graeff posa junto a uma das belas plantas de Worsleya procera


Ezequiel também foi fotografado, escrevendo seu nome nas atividades científicas exploratórias


Abaixo – O padrão de ocorrência de Worsleya procera é bastante definido: prefere encostas voltadas ao quadrante norte e aparece em manchas com limites quase artificiais. Para além do ponto onde Ezequiel ascende o paredão rochoso, nenhuma planta sequer será encontrada, reaparecendo mais de mil metros além, numa outra encosta de orientação cardeal similar à primeira



Acima – Quase sempre se poderá encontrar algum rabo-de-galo em flores, embora não fosse esta sua época preferida.
Abaixo – Grupo de rabos-de-galo exibindo cápsulas de sementes, aparentemente já abertas. Não pudemos encontrar, contudo, nenhuma planta jovem nesta encosta


Acima – Ezequiel afirma que as populações de Worsleya procera eram bastante mais numerosas, há anos. A coleta criminosa parece ter sido responsável pela drástica redução do número de plantas, embora o avanço das atividades agropecuárias e o fogo andem sempre por perto. Uma coisa é certa: a maioria delas está hoje longe do alcance de catadores menos esforçados


quarta-feira, 5 de julho de 2017

UMA VISITA À ILHA GRANDE – RIO DE JANEIRO – JUNHO DE 2017

No dia 25 de junho de 2017, partimos Cledson Barboza, Maurício Verboonen e eu, no rumo da Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro, para uma ligeira expedição. Essa viagem, realizada por mar, serviria para retomar contato com a natureza da Costa Verde, de onde andara afastado, por algum tempo. Na Década de 1990, realizara por ali decisiva série de excursões, que me haviam rendido importantes reflexões sobre a Floresta Atlântica, haja vista ser a Costa Verde um dos mais importantes redutos da flora fluminense e ali existirem fragmentos extremamente bem conservados de sua vegetação original. Visitar a Ilha Grande serviria como marco de imersão nas áreas mais conservadas de todo o litoral do Sudeste.

Tivemos tempo excelente e mar relativamente calmo, o que nos permitiu circundar toda a Ilha, navegando algo em torno de 150km. Apuramos os detalhes de nossa expedição, mais exatamente a leste da Ilha, baseando-nos na Enseada de Palmas, onde permanecemos por duas noites. No mar, concentramo-nos nos admiráveis jardins naturais que surgem na interface entre a floresta de baixada litorânea e o mar. O abrigo dos ventos mais fortes do mar ali permite uma concentração recorde de plantas, que tiram partido também da farta disponibilidade de luz solar, por sobre a miríade de rochas graníticas fragmentares, que formam a linha de costa.

Maurício relatava algumas populações da orquídea Cattleya forbesii, que vegetavam aderidas diretamente às rochas, nos matacões arredondados, dentro do mar. Ele as avistara, muitos anos antes, e desejávamos conferir o estado dessas plantas, além de registrá-las com nossas lentes. Essa forma bem adaptada de crescimento rupícola de orquídeas do gênero Cattleya já fora comum também no litoral de Santa Catarina, no início do Século XX, tendo sido analisadas e registradas por Frederico Carlos Hoehne, em publicações daquela época. Por lá, predominava a Cattleya intermedia, cujas populações eram numerosas por sobre as imensas pedras arredondadas de granito rosa da região de Florianópolis.

Cattleya forbesii em flores, na coleção do Jardim Fitogeográfico, em Petrópolis, na mesma semana da expedição

Por diversas vezes, eu havia examinado aquelas regiões visitadas por Hoehne, em Santa Catarina, tendo constatado a quase completa extinção dessas populações rupícolas de Cattleya intermedia, resultado da coleta indiscriminada. Perguntávamo-nos como andariam as orquídeas avistadas por Maurício, na Ilha Grande, muitos anos antes. Não se tratando de planta com efeito ornamental similar às suas congêneres do Sul, imaginávamos que Cattleya forbesii estaria relativamente intocada, naquelas pedras sobre o mar.

Veja uma expedição à região de Garopaba, em SC, com Cattleya intermedia, em: http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2012/09/uma-floresta-atlantica-subtropical.html


Para nossa surpresa, as orquídeas avistadas por Maurício haviam sido praticamente liquidadas, restando poucos indivíduos isolados, nos cantos menos acessíveis da rocha, juntamente com algumas bromeliáceas. Era uma pena! Certamente, a imensa quantidade de turistas, que aportam todos os dias, naquelas enseadas, trazida por escunas de passeio de Mangaratiba e Angra dos Reis, teria sido a razão desse ataque predador: ao enxergar as flores numerosas de Cattleya forbesii, que podem não apresentar cores muito vistosas, mas formam belos arranjos ao sol, algumas pessoas desejaram levar mudas e atacaram impiedosamente essas populações, levando-as ao extermínio nessas rochas.

Exemplares isolados de Cattleya forbesii, nas pedras da região de Palmas, na Ilha Grande - outrora numerosas populações

Apenas não desanimamos por completo, por encontrar essa orquídea ainda abundante, na flora dos costões, recobrindo muitos galhos expostos à luz, ou internadas nos galhos das árvores, floresta a dentro. Não se encontravam em flores, nesta época, mas nos alegravam ao vermos suas plantas saudáveis e numerosas, mostrando que seu status de conservação ainda é ótimo na Ilha Grande. Ainda as veríamos em diversas partes, tanto em nossas caminhadas por terra, quanto ao serem avistadas do mar, por todo este setor da Ilha.




Anteriores - Aspecto da floresta sobre o mar da Enseada de Palmas


Acima - Planta de Cattleya guttata (maior) ao lado de exemplares de Cattleya forbesii, nas árvores sobre o mar da Ilha Grande.

Adiante - Árvores dos costões repletas de Cattleya forbesii e outras epífitas




Sobre os imensos matacões rolados, ou vegetando nas áreas mais iluminadas, sobre o mar, avistamos cactáceas como: Cereus fernambucensis e Hylocereus sp. , além da grande quantidade do cacto epifítico Rhipsalis elliptica, que vegetava juntamente com as orquídeas e bromélias heliófilas.

populações adensadas da cactácea Cereus fernambucensis sobre rochas

Hylocereus sp. (Cactaceae) sobre as rochas de Palmas

Enseada de Palmas, na Ilha Grande


A floresta atlântica de baixada litorânea, na Ilha Grande

Tillandsia stricta - bromélia crescendo de forma litofítica, nos matacões sobre o mar de Palmas



 O autor - Orlando Graeff - observando a flora da faixa de pedras debruçadas sobre o mar

Rochas repletas de plantas, na região da Enseada de Palmas, na Ilha Grande

Maurício Verboonen admirando as incríveis coleções de plantas, sobre as rochas da Ilha Grande

Em terra, percorremos longos trechos de floresta de baixada litorânea, nas cercanias da Enseada de Palmas, sendo-nos possível avistar importantes aspectos da vegetação e da flora, ambas atualmente em excelente estado de conservação. Chamou atenção a notável dominação de bromélias do gênero Aechmea, destaque para uma variedade de Aechmea weilbachii que, em determinados trechos, revestia completamente todas as superfícies disponíveis, desde rochas roladas e solo, ascendendo ao terço médio das árvores maiores. Seu hábito revelava nitidamente a preferência pelo ambiente esciófilo (sob o coberto protetor da floresta).

Adiante - Notáveis populações de bromélias Aechmea weilbachii, na floresta de baixada litorânea da Ilha Grande






Notáveis populações da palmeira Syagrus romanzoffiana (jerivá ou coco-babão) marcam a paisagem e seguramente provisionam farta base alimentar para a fauna da Ilha Grande. O ambiente dessa floresta de baixada litorânea da ilha, desenvolvido sobre pilhas de blocos e rochas e com solos muito heterogêneos, por causa das constantes movimentações de massas, abrem espaço para regenerações espontâneas contínuas da mata. Assim, as primeiras janelas de luz proporcionadas pelas clareiras abrem espaço para grupos dessa palmeira, que prefere a luz extrema para se propagar.

Syagrus romanzoffiana - Arecaceae

Outra palmeira importante, nas florestas de baixada litorânea da Ilha Grande é o ariri (Astrocaryum aculeatissimum), cujos caules são absolutamente recobertos por espinhos aguçados, afastando seus possíveis inimigos naturais, embora caxinguelês e aves lhes consigam consumir os frutos muito palatáveis. Ao contrário dos jerivás, os ariris apreciam a sombra do sub-bosque da mata escura. Nas encostas oceânicas, sobre o mar revolto da face sul da Ilha, observamos ao longe, extensas populações da palmeira que nos pereceu ser Attalea dubia, com grandes frondes verde-escuras.

Astrocaryum aculeatissimum - Arecaceae

Aráceas dos gêneros Philodendron, Anthurium e Monstera são abundantes, encontrando condições ideais sobre os blocos de rocha imersos na floresta, nos quais se ajunta espessa manta de folhas e detritos em decomposição. Nesses matacões, havendo condições de iluminação, surgem também numerosas orquídeas Cyrtopodium cf. flavum, que não apresentavam flores, por ocasião de nossa visita, mas seguramente promovem belos espetáculos, quando em seu apogeu.

Philodendron ornatum - Araceae

Monstera adansonii - Araceae


A Seguir - Sobre as rochas expostas da magnífica praia de Lopes Mendes, há notáveis populações de Philodendron bipinnatifidum, com suas folhas recortadas e seus caules esculturais






A orquídea Vanilla cf. chamissonis é a baunilha silvestre e pode ser facilmente observada, enovelando-se nos galhos da matinha litorânea

O dia nasce, na Enseada de Palmas, na Ilha Grande

A praia de Lopes Mendes, considerada uma das mais belas do mundo

O ocaso, a oeste da Ilha Grande