campos rupestres da Serra do Cipó - Minas Gerais
Talvez seja a Serra do Cipó, no centro de Minas Gerais, um
dos destinos mais representativos, para quem quiser conhecer melhor o
infrabioma dos CAMPOS RUPESTRES. A
Fitogeografia oficial insere os campos rupestres no Bioma Cerrado. Em nossa
obra FITOGEOGRAFIA DO BRASIL (NAU
Editora, 2015 – ver link http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html ), chamamos atenção para a singularidade destas
paisagens, nas quais dominam campos entre rochas, que valeriam a criação de
bioma próprio, embora tenhamos deixada clara nossa aversão à multiplicação excessiva
de classes taxonômicas, em todos os níveis.
Mas, fato é que ecossistemas como os da Serra do Cipó, assim
como tantos outros campos rupestres da Cadeia do Espinhaço, representam
comunidades únicas, contando com flora e vegetação própria. Não são formas
empobrecidas de cerrados, sequer de florestas. Constituem tesouro único, cuja
mostra fomos buscar, em julho de 2010, quando subimos a rodovia MG010, na
direção da pequena localidade de Serra do Cipó, de onde realizamos algumas
excursões, para reconhecimento do Parque Nacional da Serra do Cipó.
trecho da Serra do Cipó visitado na expedição
Confira, a seguir, nossas observações sobre a bela Serra do
Cipó:
A Cadeia do Espinhaço, que se estende longamente, entre
Minas Gerais e Bahia, é um velho arco Proterozóico, que resultou de colisões
tectônicas de mais de 500 milhões de anos e somente foi exumada do coração da
terra depois do gradual soerguimento do Brasil Oriental, iniciado há mais de 90
milhões de anos. Suas espécies, grande parte delas endêmicas restritas, agregam
genética mista de ecossistemas circundantes: Floresta Atlântica, a leste;
Cerrado, a oeste; e Caatinga, nos seus setores setentrionais. Isso significa
que, em cada trecho da imensa cadeia, surgem pools de plantas próprias,
criticamente adaptadas às condições zonais de clima.
Quem visita a Serra do Cipó consegue observar claramente o
direcionamento das dobraduras desgastadas das rochas quartzíticas, todas
orientadas de forma concordante, contando a história das magnas forças
telúricas do passado remoto. A longa história erosiva do Quaternário revelou
essas camadas metamorfizadas pela pressão interna do Planeta. Hoje, degradam-se
aceleradamente e se transformam na areia quartzosa, que é o substrato
fundamental a sustentar a flora do Espinhaço.
Observe como as rochas que afloram, em meio aos campos rupestres, guardam inclinações reveladoras da direção de cada dobramento, ocorrido em passado remoto.
acima - trecho da MG010 que permite clara observação da direção de mergulho das dobras da Serra do Cipó
acima - velhas camadas de quartzito exumadas pela erosão milenar, que exibem a inclinação dos dobramentos metamórficos
Essa miríade de rochas fragmentadas criou espaços ecológicos
que ensejaram adaptação de plantas, que ocupam espaços definidos, nesta
paisagem movimentada. Uma das famílias botânicas que melhor se adaptou aos
campos entre rochas foi a Velloziaceae, que congrega as chamadas
canelas-de-ema. Essas plantas esculturais se espalham por todo o domínio dos
campos rupestres, mas é na Serra do Cipó que se apresentam especialmente
diversificadas. Cerca de trinta espécies de Vellozia habitam o
maciço, além de mais uma dezena de espécies de Barbacenia. Além de seu
aspecto fisionomicamente importante, essas velosiáceas promovem ambientação a
muitas outras plantas endêmicas, algumas delas abrigando-se quase
exclusivamente em seus caules fibrosos, como as orquídeas Constantia cipoensis e Cattleya
brevipedunculata ( = Sophronitis
brevipedunculata).
acima - cactácea tira partido de condição que nenhuma outra planta conseguiria enfrentar: competição é tudo, no ambiente dos campos rupestres
Adiante - velosiáceas arborescentes são a marca característica da Serra do Cipó
Nas superfícies de cimeira da Serra do Cipó, surgem
anfractuosidades e microbacias que armazenam umidade, que acabam abrigando
flórulas particulares, onde se agrupam plantas com preferência por campos sobre
solos saturados (encharcados). São eriocauláceas, melastomatáceas e outros
grupos curiosos, que se adaptaram às condições campestres frias e
excessivamente úmidas.
Acima - Melastomatáceas de flores vistosas alegram alguns trechos de solos úmidos
A Seguir - Uma curiosa Eriocaulaceae (Leiothrix curvifolia) habita essas microbacias saturadas e chama atenção pelo seu aspecto lanoso
Acima - Paepalanthus sp. (Eriocaulaceae)
Acima - Paepalanthus bromelioides (Eriocaulaceae)
O ecossistema dos campos rupestres é um mosaico de tipos de
campos, incluindo campos sobre rochas, que abrigam plantas características, com
agradável aspecto ornamental. A Serra do Cipó é um jardim natural. Que bom
seria se ao menos alguns de nossos jardineiros tivessem capacidade de ler o que
a natureza ensina, em seus arranjos de campos rupestres:
Acima - Physocalyx major (Orobanchaceae)
A Seguir - Lavoisiera cordata (Melastomataceae)
Acima - Lavoisiera sp. (Melastomataceae)
Acima - Orthophytum mello-barretoi (Bromeliaceae)
Adiante - Por ocasião de nossa visita, floresciam lindas melastomatáceas arbustivas - Trembleya laniflora
Acima - o agrônomo Celso do Lago Paiva, que nos guiou em boa parte da visita ao Parque Nacional da Serra do Cipó, examina as flores de Trembleya laniflora
Acima - A linda e exclusiva cactácea Cipocereus minensis
Acima - Encholirium subsecundum (Bromeliaceae)
Acima - Encholirium heloisae (Bromeliaceae)
Acima - Belas flores de Achyrocline cf. satureioides, que são a famosa marcela (Asteraceae)
Acima - Coccoloba cereifera (Polygonaceae) - exclusiva da Serra do Cipó
Acima - Vriesea oligantha é bromélia típica, que prefere os caules fibrosos de Vellozia spp.
A Seguir - Outra espécie de Vriesea (Bromeliaceae) tem na Serra do Cipó seu habitat preferencial, vegetando sobre o solo e formando notáveis e vistosas populações de plantas vináceas: Vriesea atropurpurea
Acima - Siphocampylus sp. (Campanulaceae)
Acima - O autor do blog Orlando Graeff examina uma bromélia Dyckia sordida, no altiplano da Serra do Cipó
A Seguir - Visitamos curiosas e exclusivas populações da imensa
velosiácea Vellozia gigantea, que parecem estar em vias de
desaparecimento, aparentando ser o fogo e a dificuldade de regeneração através
de sementes as causas principais. Essas plantas arborescentes abrigam
populações da pequena mas vistosa orquídea Cattleya brevipedunculata em seus
caules fibrosos, além de agregar outras espécies interessantes, ao redor, em
função do abrigo por elas propiciado
Acima - Neoregelia bahiana (Bromeliaceae), em meio às pedras, aos pés de Vellozia gigantea
Acima - Raros exemplares da orquídea Cattleya brevipedunculata, nos caules de Vellozia gigantea
Abaixo - Imagem obtida no site Plantas Carnívoras BR (web) de plantas floridas de Cattleya brevipedunculata, na Serra do Cipó
Adiante - Na Serra do Cipó, protegidas pela RPPN Alto do Palácio, visitamos populações de Vellozia
piresiana, onde vegeta a raríssima e ameaçada orquídea Constantia
cipoensis, que tem nesta Velloziaceae seu suporte prioritário. Pudemos
examinar detalhadamente seus padrões de dispersão, tendo identificado forófito
alternativo numa árvore de Myrsine sp. (Myrsine cf. gardneriana –
família Primulaceae)
Abaixo - Plantas de Constantia cipoensis com suas cápsulas prontas a dispersar sementes: renovação garantida
Acima - ilustração retirada do site Orquidário Reino Vegetal (Web) mostrando as flores de Constantia cipoensis
Abaixo - Árvore de Myrsine cf. gardneriana abrigando populações de Constantia cipoensis, na Serra do Cipó
Abaixo - Um dos mais graves problemas da Serra do Cipó é a aceleração da erosão, ocasionada pela presença humana e incremento dos eventos de queimadas, que também afetam a vegetação e a flora. Os solos dos campos rupestres são usualmente frágeis e assentados sobre restos indecompostos de quartzito. Por não possuir permeabilidade adequada, o subsolo não absorve o aguaceiro das torrentes chuvosas e permite forte escorrimento superficial, que vem acelerando o ravinamento: