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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

SERRA DO CIPÓ – MINAS GERAIS – JULHO DE 2010


campos rupestres da Serra do Cipó - Minas Gerais

Talvez seja a Serra do Cipó, no centro de Minas Gerais, um dos destinos mais representativos, para quem quiser conhecer melhor o infrabioma dos CAMPOS RUPESTRES. A Fitogeografia oficial insere os campos rupestres no Bioma Cerrado. Em nossa obra FITOGEOGRAFIA DO BRASIL (NAU Editora, 2015 – ver link http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html ), chamamos atenção para a singularidade destas paisagens, nas quais dominam campos entre rochas, que valeriam a criação de bioma próprio, embora tenhamos deixada clara nossa aversão à multiplicação excessiva de classes taxonômicas, em todos os níveis.

Mas, fato é que ecossistemas como os da Serra do Cipó, assim como tantos outros campos rupestres da Cadeia do Espinhaço, representam comunidades únicas, contando com flora e vegetação própria. Não são formas empobrecidas de cerrados, sequer de florestas. Constituem tesouro único, cuja mostra fomos buscar, em julho de 2010, quando subimos a rodovia MG010, na direção da pequena localidade de Serra do Cipó, de onde realizamos algumas excursões, para reconhecimento do Parque Nacional da Serra do Cipó.

trecho da Serra do Cipó visitado na expedição

Confira, a seguir, nossas observações sobre a bela Serra do Cipó:


A Cadeia do Espinhaço, que se estende longamente, entre Minas Gerais e Bahia, é um velho arco Proterozóico, que resultou de colisões tectônicas de mais de 500 milhões de anos e somente foi exumada do coração da terra depois do gradual soerguimento do Brasil Oriental, iniciado há mais de 90 milhões de anos. Suas espécies, grande parte delas endêmicas restritas, agregam genética mista de ecossistemas circundantes: Floresta Atlântica, a leste; Cerrado, a oeste; e Caatinga, nos seus setores setentrionais. Isso significa que, em cada trecho da imensa cadeia, surgem pools de plantas próprias, criticamente adaptadas às condições zonais de clima.

Quem visita a Serra do Cipó consegue observar claramente o direcionamento das dobraduras desgastadas das rochas quartzíticas, todas orientadas de forma concordante, contando a história das magnas forças telúricas do passado remoto. A longa história erosiva do Quaternário revelou essas camadas metamorfizadas pela pressão interna do Planeta. Hoje, degradam-se aceleradamente e se transformam na areia quartzosa, que é o substrato fundamental a sustentar a flora do Espinhaço.

Observe como as rochas que afloram, em meio aos campos rupestres, guardam inclinações reveladoras da direção de cada dobramento, ocorrido em passado remoto.


acima - trecho da MG010 que permite clara observação da direção de mergulho das dobras da Serra do Cipó



acima - velhas camadas de quartzito exumadas pela erosão milenar, que exibem a inclinação dos dobramentos metamórficos


Essa miríade de rochas fragmentadas criou espaços ecológicos que ensejaram adaptação de plantas, que ocupam espaços definidos, nesta paisagem movimentada. Uma das famílias botânicas que melhor se adaptou aos campos entre rochas foi a Velloziaceae, que congrega as chamadas canelas-de-ema. Essas plantas esculturais se espalham por todo o domínio dos campos rupestres, mas é na Serra do Cipó que se apresentam especialmente diversificadas. Cerca de trinta espécies de Vellozia habitam o maciço, além de mais uma dezena de espécies de Barbacenia. Além de seu aspecto fisionomicamente importante, essas velosiáceas promovem ambientação a muitas outras plantas endêmicas, algumas delas abrigando-se quase exclusivamente em seus caules fibrosos, como as orquídeas Constantia cipoensis e Cattleya brevipedunculata ( = Sophronitis brevipedunculata).


acima - cactácea tira partido de condição que nenhuma outra planta conseguiria enfrentar: competição é tudo, no ambiente dos campos rupestres

Adiante - velosiáceas arborescentes são a marca característica da Serra do Cipó








Nas superfícies de cimeira da Serra do Cipó, surgem anfractuosidades e microbacias que armazenam umidade, que acabam abrigando flórulas particulares, onde se agrupam plantas com preferência por campos sobre solos saturados (encharcados). São eriocauláceas, melastomatáceas e outros grupos curiosos, que se adaptaram às condições campestres frias e excessivamente úmidas.


 Acima - Melastomatáceas de flores vistosas alegram alguns trechos de solos úmidos
A Seguir - Uma curiosa Eriocaulaceae (Leiothrix curvifolia) habita essas microbacias saturadas e chama atenção pelo seu aspecto lanoso




Acima - Paepalanthus sp. (Eriocaulaceae)


Acima - Paepalanthus bromelioides (Eriocaulaceae)

O ecossistema dos campos rupestres é um mosaico de tipos de campos, incluindo campos sobre rochas, que abrigam plantas características, com agradável aspecto ornamental. A Serra do Cipó é um jardim natural. Que bom seria se ao menos alguns de nossos jardineiros tivessem capacidade de ler o que a natureza ensina, em seus arranjos de campos rupestres:

 Acima - Physocalyx major (Orobanchaceae)

A Seguir - Lavoisiera cordata (Melastomataceae)




Acima - Lavoisiera sp. (Melastomataceae)



 Acima - Orthophytum mello-barretoi (Bromeliaceae)



Adiante - Por ocasião de nossa visita, floresciam lindas melastomatáceas arbustivas - Trembleya laniflora




Acima - o agrônomo Celso do Lago Paiva, que nos guiou em boa parte da visita ao Parque Nacional da Serra do Cipó, examina as flores de Trembleya laniflora




Acima - A linda e exclusiva cactácea Cipocereus minensis

 Acima - Encholirium subsecundum (Bromeliaceae)

Acima - Encholirium heloisae (Bromeliaceae)


Acima - Belas flores de Achyrocline cf. satureioides, que são a famosa marcela (Asteraceae)



Acima - Coccoloba cereifera (Polygonaceae) - exclusiva da Serra do Cipó

Acima - Vriesea oligantha é bromélia típica, que prefere os caules fibrosos de Vellozia spp.

A Seguir - Outra espécie de Vriesea (Bromeliaceae) tem na Serra do Cipó seu habitat preferencial, vegetando sobre o solo e formando notáveis e vistosas populações de plantas vináceas: Vriesea atropurpurea





Acima - Siphocampylus sp. (Campanulaceae)

Acima - O autor do blog Orlando Graeff examina uma bromélia Dyckia sordida, no altiplano da Serra do Cipó

A Seguir - Visitamos curiosas e exclusivas populações da imensa velosiácea Vellozia gigantea, que parecem estar em vias de desaparecimento, aparentando ser o fogo e a dificuldade de regeneração através de sementes as causas principais. Essas plantas arborescentes abrigam populações da pequena mas vistosa orquídea Cattleya brevipedunculata em seus caules fibrosos, além de agregar outras espécies interessantes, ao redor, em função do abrigo por elas propiciado





 Acima - Neoregelia bahiana (Bromeliaceae), em meio às pedras, aos pés de Vellozia gigantea



 Acima - Raros exemplares da orquídea Cattleya brevipedunculata, nos caules de Vellozia gigantea
Abaixo - Imagem obtida no site Plantas Carnívoras BR (web) de plantas floridas de Cattleya brevipedunculata, na Serra do Cipó




Adiante - Na Serra do Cipó, protegidas pela RPPN Alto do Palácio, visitamos populações de Vellozia piresiana, onde vegeta a raríssima e ameaçada orquídea Constantia cipoensis, que tem nesta Velloziaceae seu suporte prioritário. Pudemos examinar detalhadamente seus padrões de dispersão, tendo identificado forófito alternativo numa árvore de Myrsine sp. (Myrsine cf. gardneriana – família Primulaceae)









Abaixo - Plantas de Constantia cipoensis com suas cápsulas prontas a dispersar sementes: renovação garantida



Acima - ilustração retirada do site Orquidário Reino Vegetal (Web) mostrando as flores de Constantia cipoensis

Abaixo - Árvore de Myrsine cf. gardneriana abrigando populações de Constantia cipoensis, na Serra do Cipó


Abaixo - Um dos mais graves problemas da Serra do Cipó é a aceleração da erosão, ocasionada pela presença humana e incremento dos eventos de queimadas, que também afetam a vegetação e a flora. Os solos dos campos rupestres são usualmente frágeis e assentados sobre restos indecompostos de quartzito. Por não possuir permeabilidade adequada, o subsolo não absorve o aguaceiro das torrentes chuvosas e permite forte escorrimento superficial, que vem acelerando o ravinamento: