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Visita a um fragmento de florestas do Mato Grosso de Goiás – junho de 2024

 Entre 19 e 25 de junho de 2024, estive uma vez mais na região de Pirenópolis, Goiás, em meu caminho para o estado do Mato Grosso. Baseado n...

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Visita a um fragmento de florestas do Mato Grosso de Goiás – junho de 2024

 Entre 19 e 25 de junho de 2024, estive uma vez mais na região de Pirenópolis, Goiás, em meu caminho para o estado do Mato Grosso. Baseado na linda cidade colonial, parti para algumas atividades pelas paisagens enigmáticas que circundam Pirenópolis. Dentre elas, fomos visitar um precioso fragmento de floresta estacional semidecidual relacionada ao célebre Mato Grosso de Goiás (ou Mato Grosso Goiano), um pretérito corredor de matas muito densas, que ligava a Amazônia ao Paraná, atravessando quase continuamente longa parte do território central brasileiro. Seguimos juntos o jovem naturalista Estevão Santos e eu, no rumo de uma localidade relacionada ao eixo da rodovia Belém-Brasília – Taquaral de Goiás.

Estevão Santos é um naturalista que se destacou desde cedo na Ornitologia, através da observação de aves, passando a se identificar muito com a Biogeografia, que o conhecimento da avifauna acabou induzindo. Desde há algum tempo, Estevão deparou com as histórias dos antigos viajantes, como Auguste de Saint’Hiláire, que atravessou essa região, na primeira metade do Século XIX, até a cidade de Goiás (Goiás Velho), atravessando de cheio essa exata região, onde anotou o verbete geográfico – Mato Grosso de Goiás – que Saint-Hiláire descreveu como um extenso corredor de florestas quase intransponíveis.

Tendo dedicado boa parte de seu tempo a investigar essa lendária floresta, já hoje quase inexistente, Estevão convidou-me a conhecer um magnífico fragmento dela, com cerca de 500ha contínuos, no qual vinha concentrando esforços investigativos. Em meu livro Fitogeografia do Brasil (NAU Editora, 2015 – vendas pelo site www.naueditora.com.br), tratei longamente do Mato Grosso de Goiás, uma Seasonally Dry Tropical Forest (SDTF), que hoje existe em fragmentos dispersos, que atravessam principalmente o sul de Goiás.

Para lá partimos e nos embrenhamos na mata, para reconhecer alguns de seus aspectos primitivos. Veja na galeria de imagens a seguir os comentários a respeito desta proveitosa aventura.



As matas relacionadas ao antigo Mato Grosso de Goiás formam mosaico aleatório, em função da história agropecuária de cada região. Acima - o fragmento visitado, numa fazenda do Sul de Goiás


Acima - Trecho de floresta estacional semidecidual do Mato Grosso de Goiás, próximo ao fragmento visitado por nós na região de Taquaral de Goiás


Acima - Ao redor da área de florestas visitada, existem outros fragmentos de vegetação dispersos, além de velhos exemplares de árvores nativas.


Acima - Imensos exemplares de jequitibás ainda podem ser avistados no interior do fragmento, juntamente com outras árvores típicas, como paus-óleo, jatobás etc. Seu padrão de dispersão na floresta indica a complexidade de uma floresta original.


Acima - Aspecto interno de um palmital de Euterpe edulis, encravado numa mancha de solos saturados de umidade, na área visitada. A natureza dos solos do local ainda induz diversidade funcional, a corroborar o estado semi-primitivo da floresta conservada.



Na imagem acima - Estevão contempla um magnífico exemplar de jequitibá (Cariniana cf. estrellensis - família Lecythidaceae), que sobressai no dossel da floresta densa do Mato Grosso de Goiás.



Acima - Os imensos troncos linheiros dos jequitibás (Cariniana cf. estrellensis) dão conta da antiguidade dessas matas do Sul de Goiás. 


Acima - Os frutos desses jequitibás, encontrados em galhos secos ou diretamente caídos sobre o solo, a partir da observação de Estevão, indicaram se tratar de Cariniana estrellensis. Segundo ele, a espécie Cariniana rubra, bastante comum na região do Araguaia, estaria presente em áreas mais deprimidas e úmidas do fragmento, o que poderá ser conferido com a observação mais detalhada do restante das árvores, em oportunidade futura.
Abaixo - Estevão Santos exibe alguns desses frutos recolhidos no solo da mata



Acima e Abaixo - A flora arbórea do fragmento visitado não deixa margens para equívocos: o Mato Grosso de Goiás é uma floresta estacional semidecidual típica do Brasil Central - pau-óleo (Copaifera langsdorffii - família Fabaceae). Na foto abaixo, Orlando Graeff examina um desses magníficos exemplares, associado a uma imensa liana, outra característica típica das florestas estacionais do Brasil Central.


A Seguir - Lianas ou cipós são elementos muito importantes nas florestas tropicais e podem reunir plantas até mais idosas que as próprias árvores que hoje as suportam. Sua taxonomia ainda guarda certo caráter enigmático, principalmente devido à natural dificuldade em coletá-las e identificá-las.





Abaixo - O exame do solo de um fragmento como esse, associado à sua geomorfologia, revela a razão do domínio de formações florestais, no coração da região do Cerrado. Por sua morfologia, relevo e natureza, esses solos abrigam matas densas, em vez de savanas típicas do Cerrado (cerrado lato sensu). O Mato Grosso de Goiás ocupava uma extensa faixa de solos férteis, em sua maioria, derivados de rochas básicas, que se estendia desde a base da Amazônia (ao norte), até as matas do Paraná e Paraguai (ao sul). Na maioria desse recorte geográfico, por razões evidentes, suas matas cederam espaço ao avanço das atividade agropecuárias, desde o Século XIX, com destaque para a primeira metade do Século XX. No Sul de Goiás, foi a pecuária seu maior algoz, abrigando hoje alguns dos mais produtivos conjuntos de pastagens do país.




Acima - Estevão examina outro aspecto indicativo da singularidade ecológica das florestas estacionais: um olho d'água ou nascente, bem no meio do planalto que abriga a mata. O lençol de água é subsuperficial, ao contrário do que ocorre com os solos sob cerrado, onde costumam ser profundos e somente afloram em ravinas ou grotas. Essa água somente se mantém aqui no Mato Grosso de Goiás, por força da preservação da floresta. Uma vez suprimida a vegetação, a água seca rapidamente e mesmo a floresta não retorna mais, como pontuava Rizzini em seu Tratado de Fitogeografia do Brasil.

Abaixo - Vista em detalhe da água que nasce em meio à floresta de Taquaral de Goiás, fluindo cristalina, já no avançado da estação seca. Poucas dezenas de metros adiante, essa água se espraiava num terreno alagadiço, ensejando o aparecimento de vegetação própria - o palmital.



A Seguir - detalhes da biodiversidade e complexidade da floresta do Mato Grosso de Goiás: cogumelos surgem sobre a madeira decomposta de velhas árvores tombadas sobre o solo úmido.




Acima e adiante - Um atraente palmital de Euterpe edulis se adensou, sobre solos alagadiços, resultantes do represamento natural de um trecho do córrego nascente, formando ambiente para elementos exclusivos do ambiente saturado, em flora e fauna. Algumas aráceas vegetavam esplendidamente até mesmo sobre os estipes eretos das palmeiras e sobre a camada sobrenadante de vegetação depositada sobre o terreno lamacento.


Acima - Dependendo de confirmação posterior, ao menos duas espécies de aráceas ocupavam o ambiente perúmido desse lamaçal sob a floresta estacional semidecidual: Xanthosoma aff. maximilianii (em primeiro plano) e Philodendron aff. guttiferum (ao fundo, escandentes nos estipes dos palmitos).

Abaixo - Orlando Graeff examinando os Philodendron aff. guttiferum que vegetavam sobre os estipes das palmeiras.



Acima - Philodendron aff. guttiferum

Adiante - Aspectos faunísticos importantes também corroboram a interpretação do Mato Grosso de Goiás, como mostram as imagens do anfíbio Rhinella sebbeni encontrado pelo naturalista Estevão Santos, em meio ao charco em que observamos o palmital. Segundo ele (veja o vídeo), esta anuro revela ligação direta com a Hileia, mostrando mais um aspecto migratório relacionado ao corredor do Mato Grosso de Goiás.






Junto ao palmital, posamos juntos Estevão Santos e eu, ao concluirmos essa magnífica excursão, que prometemos repetir e estender ainda mais, muito brevemente.

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