Tillandsia reclinata - Bromeliaceae
Em junho de 2018, subimos até o altiplano da Serra
da Maria Comprida, em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro. Nosso
pequeno grupo de excursionistas era formado pelo jovem Nathan Gazineu (ver link - Nathan e as Orquídeas https://orlandograeff.blogspot.com/2011/01/nathan-e-as-orquideas.html ); por nosso responsável de manutenção
do Jardim Fitogeográfico Ezequiel
Botelho; e por mim – Orlando Graeff.
Nosso principal objetivo era examinar o habitat de uma pequena bromélia de
ocorrência extremamente restrita, que vem sendo perigosamente ameaçada pela
coleta criminosa – Tillandsia reclinata, planta de natureza litofítica, que
somente ocorre num diminuto pedaço de rocha e em mais nenhum outro lugar do
planeta.
Há muito temos nos ocupado em estudar algumas raras espécies
de plantas exclusivas do sistema Serra dos Órgãos, ao qual se encontra geologicamente
vinculada a Serra da Maria Comprida. Além de tentar explicar esse misterioso
padrão de dispersão endêmica, nossa constante preocupação vem sendo investigar
a pesada pressão de coleta criminosa, que tem se abatido sobre essas espécies.
Mesmo tendo diminuído sobremaneira o interesse por plantas vindas da natureza,
por parte dos colecionadores e amantes de plantas, o que se deveu
principalmente ao notável desenvolvimento de estoques comerciais, advindos de
cultivo, alguns setores não mostram sinais de exaustão, em sua cobiça por
plantinhas como essas. Move-lhes, sabemos bem, uma vergonhosa vaidade que lhes impede descansar, até que possam dizer
aos seus pares que “são alguns dos poucos
a possuir determinada planta raríssima”.
Veja sobre isso nossa postagem anterior, que trata desse
problema do tráfico de plantas (Link
- E se todos fizessem isso? https://orlandograeff.blogspot.com/2013/01/e-se-todos-fizessem-isso-coleta-ou.html )
A coleta de plantas na natureza,
com finalidades comerciais, é crime previsto na Lei do Crime Ambiental e pode
ocasionar a prisão dos envolvidos. Mesmo assim, mateiros e
aventureiros formam hoje uma rede complexa de coletores e traficantes, que
assaltam os habitats, em busca de ESTOQUES de raridades, que lhes rendem polpudas
quantias, quando remetidas aos referidos colecionadores inescrupulosos. Esse
moto nocivo já determinou horrendos prejuízos à vida silvestre, em várias
partes do mundo, sendo caso notório o dos rinocerontes africanos, abatidos
apenas para a extração da ponta do chifre; assim como dos ainda mais conhecidos
elefantes, por conta de seu marfim.
A excursão foi extremamente proveitosa, por nos permitir
observar diversos ambientes e espécies que, um dia, foram contempladas pelos
decisivos estudos do naturalista Gustavo Martinelli,
que desvendaram a botânica e a ecologia dos campos de altitude da região. Do
exame das atuais condições daquele altiplano, restou claro o alarmante estado
de penúria a que se encontra submetida a pequena Tillandsia reclinata,
havendo sinais claros de recente coleta comercial e estando seu remanescente
cada dia mais exaurido. Também observamos que os resultados do contínuo
pastoreio dos campos de altitude e afloramentos rochosos, por parte de cavalos,
assim como o fogo, que continua se alastrando ciclicamente, já colocam todo o
ecossistema em risco gravíssimo.
A beleza marcante das paisagens divisadas daqueles campos,
assim como sua ainda interessante riqueza florística, em muito recomendariam a
implantação de um parque natural, através de uma trilha contemplativa, que
seria a única esperança de conservação para seu tesouro de biodiversidade. Não há mais como acreditar que o mero abandono da área possa
desestimular invasões furtivas e depredações, apenas confiando na dificuldade
de acesso. Somente o manejo ecoturístico e a facilitação da
vigilância e combate ao fogo poderão trazer esperanças de salvação ao
patrimônio natural local.
Veja, através das imagens apresentadas, um pouco sobre o
altiplano da Serra da Maria Comprida:
Acima – A Serra da Maria Comprida é geologicamente vinculada à
Serra dos Órgãos, muito embora possua individualidade geomorfológica,
representando universo ecológico próprio, com pontões graníticos e gnáissicos
fragmentados. Escorrimento milenar de água produziu “riscados” típicos e os
paredões abrigam flora única
A Seguir – A vegetação do altiplano é um mosaico de afloramentos
rochosos e campos de altitude, mesclando assim floras complementares,
originadas em paleocampos frios e evoluídas em ambientes rochosos secos e
ensolarados
Acima – Não é difícil
perceber-se o dano gradualmente imposto à vegetação e à flora pela ocorrência
recidiva do fogo criminoso. As manchas de campos recuam e a composição da flora
se empobrece, em favor de gramíneas exóticas e de algumas poucas espécies
nativas mais tolerantes aos incêndios cíclicos
Acima – Nesta imagem,
percebe-se exemplares isolados de rabo-de-galo (Worsleya procera –
família Amaryllidaceae) resistindo ao avanço da degradação. Ao fundo, o
restante do maciço da Maria Comprida, com a Serra dos Órgãos ao fundo e os Três
Picos ao longe
Acima – Embora já
bastante pressionados pelo fogo, pela coleta criminosa e pelo pastoreio,
persistem populações de rabos-de-galo, que preferem a beirada das cristas
rochosas, onde recebem farta iluminação solar
Acima – Meus dois companheiros de aventura, na Serra da Maria
Comprida: Ezequiel Botelho e Nathan Gazineu
Acima – Notáveis populações
de bromélias e plantas adaptadas ao ambiente extremo dividem espaço no
altiplano da Serra da Maria Comprida. Destaque para belas formas de Vriesea
pseudoatra, com folhas vináceas, que contrastam com o restante da
vegetação
Acima – Perspectiva assustadora: em primeiro plano, o
rabo-de-galo em flores; ao fundo, na borda do campo e debruçado sobre o vale,
um exemplar de pinheiro-americano invasor. Essas coníferas exóticas da aliança
de Pinus
elliottii são extremamente prolíficas e adaptadas ao ambiente de solos
rasos, pobres e sob climas frios, o que lhes capacita perigosamente a tomar por
completo em futuro médio, a paisagem das cumeadas
Adiante – Flora singular ainda resiste nos campos de altitude e
afloramentos rochosos da Serra da Maria Comprida
Acima – Philodendron
edmundoi (família Araceae)
Acima – Zygopetalum
maculatum (família Orchidaceae)
Nas três fotos a
seguir – A bela Prepusa connata, da família Gentianaceae, um elemento
florístico de índole originalmente alpina
Acima – Ilha de
vegetação rupestre, congregando dois tipos diferentes de bromélias: a imensa e
escultural Alcantarea imperialis; e sua parente muito menor Neoregelia
longipedicellata, planta muito restrita e rara
Acima – A célebre
Amaryllidaceae Worsleya procera,
conhecida como rabo-de-galo, planta exaustivamente perseguida pelos traficantes
de plantas
Abaixo – Orlando Graeff (autor do blog) entre
rabos-de-galo, no alto da Serra da Maria Comprida
Acima – Como resistir
ao encanto de Worsleya procera? Nathan se debruça sobre a bela planta
Abaixo – Fotografando
as flores do rabo-de-galo
Acima – Quanta honra!
Examinando o único exemplar conhecido do bambuzinho primitivo Glaziophyton
mirabile (família Poaceae)
Adiante – Consegue ver
aquelas minúsculas plantinhas, encarapitadas sobre alguns poucos metros
quadrados de rocha nua? São tudo o que a natureza ainda guarda da raríssima
bromélia Tillandsia reclinata. É ou não é razão bastante para
preocupação, em face da coleta criminosa que sobre ela se abate?
Abaixo
– Poucos exemplares resilientes de Tillandsia reclinata buscam proteção
sobre a rocha, penduradas acima de centenas de metros de paredões rochosos. O
engenho maligno dos coletores furtivos, contudo, não as perdoará, em nome da
cobiça nojenta de colecionadores, que pagarão altos preços por algumas
plantinhas