Acima – Cachoeira dos
120m, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros
Onze anos após minha primeira passagem pela
Chapada dos Veadeiros, norte de Goiás, voltava à região, com intuito de
conferir alguns importantes aspectos de sua geografia botânica, já em posse de
informações e reflexões levadas a público, em meu livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL
(ver postagem - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html ), através da NAU Editora (2015). Claro que a beleza de suas
paisagens, cheias de cachoeiras e monumentos naturais, ligados ao Cerrado,
também justificavam esta digressão de minha viagem ao Mato Grosso, para onde
seguiria depois. Mas, não há dúvidas, rever os incríveis cerrados rupestres,
numa transição singular para as florestas estacionais semideciduais e deciduais
do oeste baiano e Tocantins, era
objetivo principal.
Quando ali estivera, em março de 2015 (ver
postagem anterior - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2016/10/chapada-dos-veadeiros-goias-marco-de.html ), meu guia Naza me afirmara ter ouvido que “o Cerrado
teria surgido na Chapada dos Veadeiros, antes de se espalhar pelo restante do
país”. É claro que as origens do Cerrado são complexas e sua flora não é, de
forma alguma, monocêntrica, ou seja, originária de uma região apenas. Em minha
citada obra, tive oportunidade de mostrar os conhecimentos que a ciência
acumulou sobre o Cerrado, nas últimas décadas, que induzem sua interpretação
como um produto relativamente recente de diversas floras circunjacentes,
fundidas ao sabor do avanço Terciário dos climas continentais e da ajuda do
homem, através do generalização do uso do fogo, no Quaternário.
Mas, uma coisa ficara clara, no capítulo
que dediquei a este Bioma (Cerrado), em meu livro: suas formas mais abertas e
típicas, que acumulam espécies de árvores e até mesmo arbustos retorcidos, de
aspecto xeromórfico, com espessas cascas e folhas duras e perenes, teriam
obtido boa parte deste tributo adaptativo de vegetações rupestres, ou seja, que
dominavam habitats marcados por rochas e solos rasos. Campos rupestres,
florestas estacionais deciduais e cerrados rupestres teriam, deste modo, uma
forte relação original. O império do clima subúmido do Brasil Central,
associado ao fogo endêmico, teria promovido prolongada manutenção de vegetações
de natureza aberta e iluminada, mesmo em face de solos profundos, como são aqueles
do Cerrado. Neste entremeio, neste compartimento fortemente iluminado e
relativamente protegido da competição de suas árvores mais portentosas, teria
prosperado a flora típica do assim chamado cerrado stricto sensu,
ou simplesmente o cerrado propriamente
dito – isso é parte da Teoria de Rizzini-Lund-Aubrèville.
Talvez tenha advindo daí a suposição
referida por Naza de que o Cerrado teria surgido na Chapada dos Veadeiros: ali
se encontra um dos mais bem conservados conjuntos de vegetações de cerrados rupestres,
campos rupestres e, principalmente, cerrados rupestres de altitude do Brasil, o
que suscita possíveis conclusões sobre estar ali a pátria fundamental do
Cerrado. Com altitudes de até mais de 1.600m, as áreas do Parque Nacional da
Chapada dos Veadeiros, centralizadas pela cidade de Alto Paraíso de
Goiás, representam importante testemunho paisagístico da longa exumação do Arco Brasiliano, ligado ao Arco da Canastra, uma antiquíssima
sutura geológica, relacionada a colisões de placas tectônicas Proterozóicas.
Com o soerguimento do Brasil Oriental, nos últimos noventa milhões de anos,
pelo menos, a erosão milenar vem expondo essas velhas rochas de quartzito, o
que seguramente abriu espaço ecológico ao desenvolvimento de flora típica de
campos rupestres. Daí a supor que a Chapada dos Veadeiros seja a origem do
Cerrado pode ser evidente exagero, mas não se poderá duvidar de seu papel
histórico natural determinante, como refúgio de floras típicas.
Nesta visita, mais uma vez, contei com a
proveitosa presença do amigo e companheiro de expedições Maurício Verboonen, que
tradicionalmente aduz essas experiências com reflexões importantes. Vamos às
imagens e comentários sobre mais esta aventura pela deslumbrante natureza
brasileira:
A Seguir – Contemplando-se
as paisagens da Chapada dos Veadeiros, temos oportunidade de vislumbrar alguns
dos mais autênticos cerrados rupestres do país, em vastas extensões. Árvores e
arbustos típicos vegetam sobre campos de blocos e fragmentos de rocha quartzítica,
aos quais se entremeiam cascalhos de cristal, remanescentes de minerações do
passado
Acima – próximo a Alto
Paraíso de Goiás, no sopé do planalto, surgem vestígios da floresta estacional
semidecidual, que dali se estendem, longamente, até a base do planalto do oeste
da Bahia. Nesta imagem, observam-se populações características de babaçus (Attalea
speciosa)
Acima - Wunderlichia crulsiana (Asteraceae) - planta endêmica dos cerrados rupestres desta região
Acima – Estradinha rural
da Chapada dos Veadeiros, onde as condições de tráfego são usualmente duras,
como mostra o vídeo mostrado a seguir
Acima – Aspecto geral de
um cerrado rupestre, na franja do planalto da Chapada dos Veadeiros
Adiante – O Jardim de
Maytrea é uma das mais famosas atrações cênicas do Parque Nacional da Chapada
dos Veadeiros, consistindo nos vestígios de um paleocanal fluvial, que ainda
conserva seu típico renque de palmeiras-buritis (Mauritia flexuosa)
Acima – mosaico de cerrado
rupestre, onde se percebe a dispersão bastante diversificada de elementos
herbáceo-arbustivos, tais como canelas-de-ema ou candombás (Vellozia
variabilis - Velloziaceae), que dominam clareiras formadas de puro
detrito quartzítico. O pau-terrinha (Qualea parviflora – Vochysiaceae),
visto na foto, com delicadas flores violeta, é uma arvoreta muito comum, na
borda dessas clareiras
A Seguir – O muricizão (Byrsonima
verbascifolia – Malpighiaceae) é uma das arvoretas características dos
cerrados rupestres, que se diria originário da Chapada dos Veadeiros, de tão
perfeita sua adaptação à região
Abaixo – Outra arvoreta
sugestiva da ligação do cerrado stricto-sensu
com vegetações rupestres é o bate-caixa (Palicourea rigida - Rubiaceae)
Acima –
Paineira-do-cerrado (Erioteca pubescens – Malvaceae) pode
variar de uma arvoreta baixa, no cerrado rupestre, até uma árvore relativamente
frondosa, nas formações mais densas
A Seguir – Nessa
expedição, havia interesse em algumas espécies particulares, que habitam
ambientes específicos do cerrado rupestre ou dos campos rupestres. Entre elas,
destaca-se a minúscula bromélia Dyckia marnier-lapostollei, cujo
habitat preferencial, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, alterna
depósitos de cascalhos naturais e pedras britadas pelos mineradores, que
vasculharam a região, outrora, em busca de cristais
Acima e adiante – Detalhes
da bromélia Dyckia marnier-lapostollei, em seu ambiente natural
Adiante – As fisionomias
abertas da Chapada dos Veadeiros são determinadas essencialmente pelas manchas
edáficas, ou seja, pela natureza dos solos de cada ambiente. Algumas espécies
de fabáceas (leguminosas) tiram partido dessas janelas de luz, assim como dos
solos presentes em cada um desses locais. O gênero Mimosa é particularmente
abundante: Mimosa densa é uma planta que forma populações quase
homogêneas, em determinados trechos
A Seguir – Mimosa
ulei era outra dessas fabáceas que representavam atrativo principal,
para a expedição: suas populações são características de pequenas manchas de
solos de quartzito saturadas de umidade, formando como que mini-bosques de
arvoretas em miniatura, bastante esculturais
Acima
– flor de Mimosa ulei (detalhe)
Acima
– longas inflorescências de Mimosa ulei, que lhe conferem aspecto singular, na
paisagem
Acima – Algumas dessas Mimosa
spp. exibem hábito escultural, posando de miniaturas de árvores, qual
bonsais
A Seguir – Mimosa
regina pontua os campos sujos (campos sobre rochas) da Chapada dos
Veadeiros, na localidade de Cavalcanti
Acima
– detalhe das flores de Mimosa regina
Adiante
– Como não poderia deixar de ser, outras bromélias atraíam nosso interesse, na
Chapada dos Veadeiros:
Acima
– Aechmea
bromeliifolia, entre os afloramentos de rocha quartzítica
Acima
– Orlando Graeff examina exemplar de Aechmea bromeliifolia variedade albobracteata,
num scrub lenhoso denso, em Alto
Paraíso de Goiás
Acima
– Ananas
bracteatus, na margem da floresta estacional, próximo ao rio
Tocantinzinho, em Colinas do Sul
A
Seguir – Bromelia cf. balansae é outra bromeliácea
abundante, nas áreas mais secas da Chapada dos Veadeiros
Acima
– O autor posa ao lado de um exemplar de Bromelia cf. balansae, que iniciava
seu florescimento, na Chapada dos Veadeiros
Acima
– Bromelia
cf. balansae
A
Seguir – Sobre a cimeira da Chapada, surgem vegetações excepcionais, nos canais
dos rios, onde surgem florestas densas e abundantes em plantas epifíticas
Acima
– Florestas ciliares da Chapada dos Veadeiros, em detalhe
Acima
– orquídea Gomesa varicosa (=Coppensia varicosa), no terço inferior de um tronco, no interior
da floresta ciliar, na Chapada dos Veadeiros
Acima
– nos altos galhos da mesma floresta, habitam outras espécies de orquídeas que
preferem mais iluminação, como esta espécie de Bulbophyllum
Acima
– a bromélia Tillandsia streptocarpa produz flores perfumadas
Acima
– graciosa palmeira Geonoma cf. maxima, no solos úmido e ambiente
sombreado da floresta ciliar, na faixa dos 1.600m de altitude
Adiante – Nos campos rupestres
de altitude, na Chapada dos Veadeiros, medram plantas atraentes e singulares
Acima
– Jacaranda
ulei (Bignoniaceae)
Acima
– Campomanesia
sp. (Myrtaceae)
Acima
– a minúscula Polygala equisetoides (Polygalaceae)
Acima
– Eryngium
pristis (Apiaceae)
Acima
– Kielmeyera
rubriflora (Clusiaceae)
Acima
– Vochysia
pumila (Vochysiaceae)
Acima
– Lavoisiera
sp. (Melastomataceae)
Acima
– Pilosocereus
machrisii (Cactaceae)
Abaixo – Maurício Verboonen na trilha do Moinho,
na Chapada dos Veadeiros
A Seguir – A alta bacia do
rio Tocantins possui alguns de seus tributários na Chapada dos Veadeiros, entre
eles, o rio Tocantinzinho, que
congrega extensas florestas em suas margens, o que corresponde a corredor
ecológico de suprema importância
Acima – floresta marginal
do rio Tocantinzinho, próximo a Colinas do Sul, onde se abrigam orquídeas como Cattleya cf. walkeriana (abaixo)
Acima
– Vochysia
cf. acuminata,
na floresta ciliar do rio Tocantinzinho
Adiante – o rio Preto é o principal corpo d’água do
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e reúne
alguns de seus mais deslumbrantes cenários, como cachoeiras e cânions
Acima
– pau-óleo (Copaifera langsdorfii – Fabaceae) se debruçando sobre o leito
do rio Preto
Acima
– Cachoeira dos 80m, no rio Preto
Acima
– cascatas límpidas, em Cavalcanti, na Chapada dos Veadeiros
Acima
– a belíssima cachoeira de Santa Bárbara, em Cavalcanti, na Chapada dos
Veadeiros
Acima
– a curiosa asterácea Chresta angustifolia, que habita as
rochas, nas cachoeiras da Chapada dos Veadeiros
Abaixo – Entardecer na Chapada dos Veadeiros, em Goiás
Lindas imagens, informativo e descritivo. Obrigado por divulgar.
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