Dyckia rondonopolitana no seu habitat
Durante muitos anos, na Década de 1980, percorri a rodovia
MT130, entre Rondonópolis
e Poxoréo,
no Sul do Mato Grosso, desde que esta representava nada mais que um caminho de
terra, em rústicas condições, até vê-la asfaltada, anos depois. Trabalhando em
Primavera do Leste, local onde hoje desenvolvemos o projeto de conservação de
vegetações de Cerrado, denominado Reserva
Natural da Fazenda Ipanema, residia em Rondonópolis, obrigando-me a
cruzar aqueles duros caminhos, em tempos de fronteiras agrícolas nascentes.
Naquele tempo, embora já investigasse a natureza, não me aproximara ainda das
plantas da família Bromeliaceae, que viriam a ocupar
importante papel, em minhas investigações científicas naturalistas.
Durante uma dessas viagens, obriguei-me a parar, em meio ao
caminho, em função de obras de terraplenagem, que eram realizadas num trecho de
serras sinuosas, para mitigar as endêmicas dificuldades representadas por
afloramentos de arenito. Já um aficionado por orquídeas, atraí-me por
exemplares de Epidendrum campestre, que haviam sido arrancados,
juntamente com as pedras da estrada. Junto, coletei uma pequena bromélia
espinhenta e de folhas quebradiças, que também haviam se transformado em lixo
das obras. Cultivei a curiosa planta, por anos a fio, até vê-la perdida, numa
das diversas mudanças de endereço da coleção de plantas.
ilustração de Epidendrum campestre (Orchidaceae) elaborada pelo autor, na década de 1980, a partir de material obtido neste mesmo local
Já devidamente iniciado no gosto pelas bromélias, nos anos 1990,
quando geríamos a Sociedade Brasileira
de Bromélias-SBBr, que impulsionava o conhecimento desta família
botânica, me foi dado identificar o grupo a que pertencia aquela joia botânica –
o gênero Dyckia – de imensa importância para a interpretação
biogeográfica do nosso país, como bem apontou a Professora Doutora Rafaela Forzza, do Jardim Botânico do
Rio de Janeiro. Com o passar dos anos, incrementou-se o interesse pelas Dyckia
spp. e seus habitats, ao largo dos corredores áridos do passado
sul-americano, Brasil, em especial.
Em recente passagem pelo local, hoje modernizado pela
concessão rodoviária, numa estrada pedagiada e de alta velocidade, decidi parar
e visitar aquele mesmo trecho de arenitos, em busca de informações sobre essas
curiosas plantas. Embora muito ligeira, a parada foi frutífera em contatos com
essas plantas e ajudou a entender um pouco mais sobre a dispersão das Dyckia
spp., ao largo do Planalto dos
Alcantilados, unidade de paisagem associada aos pediplanos
mato-grossenses, a que dediquei largos capítulos de meu livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL (NAU Editora, 2015 – link: http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html ).
A antiga individualização de unidades de relevo das serras
alcantiladas desta região, que perfaz ligação ecológica entre a Planície Pantaneira
(a oeste) e Vale do Araguaia (a leste), tendo como corredores importantes o rio
Vermelho (e São Lourenço), pelo lado pantaneiro, e o rio Garças, pela vertente
araguaiana, parece ter originado concomitante diferenciação nas populações de
espécies deste gênero Dyckia, como já havia atestado
anteriormente, numa visita a outro habitat dessas bromélias (ver postagem - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/04/encontrando-novas-populacoes-de.html ). Também
na RPPN João Basso, em Rondonópolis, havíamos observado diversas espécies deste
gênero (ver postagem - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2013/03/rppn-joao-basso-cidade-de-pedra-de.html).Tudo mostra haver ainda muito a ser descoberto, não
somente no que diz respeito às bromélias deste gênero, mas também na história
natural e fitogeográfica desta região, haja vista a virtual diversidade de
táxons observados, ao longo do corredor.
Nos arenitos tórridos da MT130, dominados por cerrados
rupestres, vegetam pelo menos duas espécies de bromélias do gênero Dyckia,
ambas recentemente descritas pela ciência: Dyckia rondonopolitana e Dyckia
secundifolia, esta última exatamente a minha velha planta perdida. Dyckia rondonopolitana é planta que se
ramifica bastante e ocupa largos espaços, vegetando em frestas de rochas, entre
touceiras de gramíneas e até mesmo de forma litofítica, subsistindo diretamente
na superfície nua dos arenitos quentes. Já Dyckia
secundifolia se restringe a pequenas bacias deflacionares da rocha, onde se
acumula areia fina e outros dispersóides. É comum que se associe a formigas e
acompanha certa espécie de Velloziaceae, enraizando ambas de forma
inquietantemente superficial, sobre o embasamento rochoso quente e drenado.
Veja, a seguir, alguns aspectos ligeiros desta visita aos
arenitos que abrigam as Dyckia spp. de Rondonópolis, no Mato
Grosso:
Acima - Dyckia secundifolia junto a Vellozia sp., em seu habitat, no Mato Grosso
Acima - Aspecto geral da ocorrência de Dyckia rondonopolitana, nos arenitos de Rondonópolis
Acima - arenito exposto à erosão diferencial, no Planalto dos Alcantilados, onde está o habitat das Dyckia spp. Essa forma é reconhecida como "casco de tartaruga"
Adiante - imagens do habitat de Dyckia rondonopolitana e D. secundifolia, mostrando sinais de forte regime erosivo, em linhas de vazão torrencial, que são as principais forças escultoras do relevo ruiniforme do Planalto dos Alcantilados
Abaixo - populações de Dyckia rondonopolitana, em suas ocorrências típicas
A Seguir - ocorrência de Dyckia secundifolia, notando-se sua predileção por depósitos delgados de areias finas, em depressões do arenito coeso
Acima - plantas convivendo com ninhos de formigas
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