No dia 25 de junho de
2017, partimos Cledson Barboza, Maurício Verboonen e eu, no rumo da
Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro, para uma ligeira expedição. Essa
viagem, realizada por mar, serviria para retomar contato com a natureza da
Costa Verde, de onde andara afastado, por algum tempo. Na Década de 1990,
realizara por ali decisiva série de excursões, que me haviam rendido
importantes reflexões sobre a Floresta Atlântica, haja vista ser a Costa Verde um dos
mais importantes redutos da flora fluminense e ali existirem fragmentos
extremamente bem conservados de sua vegetação original. Visitar a Ilha Grande
serviria como marco de imersão nas áreas mais conservadas de todo o litoral do
Sudeste.
Tivemos tempo excelente e mar relativamente calmo, o que nos
permitiu circundar toda a Ilha, navegando algo em torno de 150km. Apuramos os
detalhes de nossa expedição, mais exatamente a leste da Ilha, baseando-nos na Enseada de Palmas, onde permanecemos
por duas noites. No mar, concentramo-nos nos admiráveis jardins naturais que
surgem na interface entre a floresta de baixada litorânea e o mar. O abrigo dos
ventos mais fortes do mar ali permite uma concentração recorde de plantas, que
tiram partido também da farta disponibilidade de luz solar, por sobre a miríade
de rochas graníticas fragmentares, que formam a linha de costa.
Maurício relatava algumas populações da orquídea Cattleya forbesii, que vegetavam aderidas
diretamente às rochas, nos matacões arredondados, dentro do mar. Ele as
avistara, muitos anos antes, e desejávamos conferir o estado dessas plantas,
além de registrá-las com nossas lentes. Essa forma bem adaptada de crescimento
rupícola de orquídeas do gênero Cattleya
já fora comum também no litoral de Santa Catarina, no início do Século XX,
tendo sido analisadas e registradas por Frederico
Carlos Hoehne, em publicações daquela época. Por lá, predominava a Cattleya
intermedia, cujas populações eram numerosas por sobre as imensas pedras
arredondadas de granito rosa da região de Florianópolis.
Cattleya forbesii em flores, na coleção do Jardim Fitogeográfico, em Petrópolis, na mesma semana da expedição
Por diversas vezes, eu havia examinado aquelas regiões
visitadas por Hoehne, em Santa Catarina, tendo constatado a quase completa
extinção dessas populações rupícolas de Cattleya
intermedia, resultado da coleta indiscriminada. Perguntávamo-nos como
andariam as orquídeas avistadas por Maurício, na Ilha Grande, muitos anos
antes. Não se tratando de planta com efeito ornamental similar às suas congêneres
do Sul, imaginávamos que Cattleya
forbesii estaria relativamente intocada, naquelas pedras sobre o mar.
Veja uma expedição à região de Garopaba, em SC, com Cattleya intermedia, em: http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2012/09/uma-floresta-atlantica-subtropical.html
Para nossa surpresa, as orquídeas avistadas por Maurício
haviam sido praticamente liquidadas, restando poucos indivíduos isolados, nos
cantos menos acessíveis da rocha, juntamente com algumas bromeliáceas. Era uma
pena! Certamente, a imensa quantidade de turistas, que aportam todos os dias,
naquelas enseadas, trazida por escunas de passeio de Mangaratiba e Angra dos
Reis, teria sido a razão desse ataque predador: ao enxergar as flores numerosas
de Cattleya forbesii, que podem não
apresentar cores muito vistosas, mas formam belos arranjos ao sol, algumas
pessoas desejaram levar mudas e atacaram impiedosamente essas populações,
levando-as ao extermínio nessas rochas.
Exemplares isolados de Cattleya forbesii, nas pedras da região de Palmas, na Ilha Grande - outrora numerosas populações
Apenas não desanimamos por completo, por encontrar essa
orquídea ainda abundante, na flora dos costões, recobrindo muitos galhos
expostos à luz, ou internadas nos galhos das árvores, floresta a dentro. Não se
encontravam em flores, nesta época, mas nos alegravam ao vermos suas plantas
saudáveis e numerosas, mostrando que seu status de conservação ainda é ótimo na
Ilha Grande. Ainda as veríamos em diversas partes, tanto em nossas caminhadas
por terra, quanto ao serem avistadas do mar, por todo este setor da Ilha.
Anteriores - Aspecto da floresta sobre o mar da Enseada de Palmas
Acima - Planta de Cattleya guttata (maior) ao lado de exemplares de Cattleya forbesii, nas árvores sobre o mar da Ilha Grande.
Adiante - Árvores dos costões repletas de Cattleya forbesii e outras epífitas
Sobre os imensos matacões rolados, ou vegetando nas áreas
mais iluminadas, sobre o mar, avistamos cactáceas como: Cereus fernambucensis e Hylocereus
sp. , além da grande quantidade do cacto epifítico Rhipsalis elliptica, que
vegetava juntamente com as orquídeas e bromélias heliófilas.
populações adensadas da cactácea Cereus fernambucensis sobre rochas
Hylocereus sp. (Cactaceae) sobre as rochas de Palmas
Enseada de Palmas, na Ilha Grande
A floresta atlântica de baixada litorânea, na Ilha Grande
Tillandsia stricta - bromélia crescendo de forma litofítica, nos matacões sobre o mar de Palmas
Em terra, percorremos longos trechos de floresta de baixada
litorânea, nas cercanias da Enseada de Palmas, sendo-nos possível avistar
importantes aspectos da vegetação e da flora, ambas atualmente em excelente
estado de conservação. Chamou atenção a notável dominação de bromélias do
gênero Aechmea, destaque para uma
variedade de Aechmea weilbachii que, em
determinados trechos, revestia completamente todas as superfícies disponíveis,
desde rochas roladas e solo, ascendendo ao terço médio das árvores maiores. Seu
hábito revelava nitidamente a preferência pelo ambiente esciófilo (sob o
coberto protetor da floresta).
Adiante - Notáveis populações de bromélias Aechmea weilbachii, na floresta de baixada litorânea da Ilha Grande
Notáveis populações da palmeira Syagrus romanzoffiana
(jerivá ou coco-babão) marcam a paisagem e seguramente provisionam farta base
alimentar para a fauna da Ilha Grande. O ambiente dessa floresta de baixada
litorânea da ilha, desenvolvido sobre pilhas de blocos e rochas e com solos
muito heterogêneos, por causa das constantes movimentações de massas, abrem
espaço para regenerações espontâneas contínuas da mata. Assim, as primeiras
janelas de luz proporcionadas pelas clareiras abrem espaço para grupos dessa
palmeira, que prefere a luz extrema para se propagar.
Syagrus romanzoffiana - Arecaceae
Outra palmeira importante, nas florestas de baixada
litorânea da Ilha Grande é o ariri (Astrocaryum aculeatissimum), cujos
caules são absolutamente recobertos por espinhos aguçados, afastando seus
possíveis inimigos naturais, embora caxinguelês e aves lhes consigam consumir
os frutos muito palatáveis. Ao contrário dos jerivás, os ariris apreciam a
sombra do sub-bosque da mata escura. Nas encostas oceânicas, sobre o mar
revolto da face sul da Ilha, observamos ao longe, extensas populações da
palmeira que nos pereceu ser Attalea dubia, com grandes frondes
verde-escuras.
Astrocaryum aculeatissimum - Arecaceae
Aráceas dos gêneros Philodendron, Anthurium e Monstera
são abundantes, encontrando condições ideais sobre os blocos de rocha
imersos na floresta, nos quais se ajunta espessa manta de folhas e detritos em
decomposição. Nesses matacões, havendo condições de iluminação, surgem também
numerosas orquídeas Cyrtopodium cf. flavum, que não apresentavam
flores, por ocasião de nossa visita, mas seguramente promovem belos
espetáculos, quando em seu apogeu.
Philodendron ornatum - Araceae
Monstera adansonii - Araceae
A Seguir - Sobre as rochas expostas da magnífica praia de Lopes Mendes,
há notáveis populações de Philodendron bipinnatifidum, com
suas folhas recortadas e seus caules esculturais
A orquídea Vanilla cf. chamissonis é a baunilha
silvestre e pode ser facilmente observada, enovelando-se nos galhos da matinha
litorânea
O dia nasce, na Enseada de Palmas, na Ilha Grande
A praia de Lopes Mendes, considerada uma das mais belas do mundo
O ocaso, a oeste da Ilha Grande
Nenhum comentário:
Postar um comentário