Depois de muitos anos, desde a primeira
visita ao habitat de uma interessante espécie de bromélia do gênero Dyckia,
no Sul do estado de Mato Grosso (ver
postagem http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/04/encontrando-novas-populacoes-de.html ), algumas outras indagações haviam surgido, além, é claro, da
própria identidade da minúscula e elegante plantinha, que prossegue sem
elucidação: que tipo de habitat abrigaria preferencialmente essas
espécies-relíquia da flora americana? Por que surgiriam populações segregadas
de algumas delas? E por que surgiriam esses endemismos restritos, em meio ao
oceano de cerrados, que se estende nessa região do Centro-Oeste?
Nada mais alvissareiro que ter ao meu lado,
nesta excursão (que faria parte de uma expedição maior – ver postagens subsequentes, em elaboração), o grande amigo,
companheiro de velhas incursões pela região - Sérgio
Basso - que fora, aliás, quem me conduzira ao local, na primeira visita, em
2001). Partimos de Primavera do Leste, onde está centralizado o projeto da Reserva Natural da
Fazenda Ipanema, nosso endereço naturalista no Mato Grosso, tendo
como objetivo o habitat da minúscula Dyckia
sp., em meio aos domínios do chamado Planalto dos Alcantilados, ao longo da
rodovia BR070.
O Planalto dos Alcantilados é uma subdivisão
geomorfológica, que congrega velhos morros testemunho, deixados para trás pela
ciclópica erosão diferencial, que individualizou uma série de mesetas ou
tepuis, que são aqueles morrotes de cimeira plana, que se espalham pelo Brasil
Central. Ecologicamente, liga duas gigantescas depressões de origem entre o
final do Terciário e início do Quaternário: Pantanal Matogrossense e Planície
do Araguaia. Nossa investigação não se limitaria ao platô das Dyckias, mas
se estenderia a outros morrotes isolados, situados na região, embora já
conhecêssemos alguns deles.
Para nosso alívio, a restrita população de Dyckia
sp. lá estava, na mesma situação praticamente em que a encontramos, cerca
de dezesseis anos atrás: grande quantidade dessas pequenas bromélias
esculturais e espinhentas a se espalhar nas bordas de microafloramentos de
arenito muito friável; em meio a cascalhos e clastos recém-desprendidos; ou em
microdepressões recobertas de areia; dividindo espaço com velosiáceas,
orquidáceas, melastomatáceas e farta quantidade de gramíneas, entre nativas e
invasoras. Muitas delas haviam florescido recentemente e ainda sustentavam
cápsulas repletas de sementes.
Essas plantinhas são realmente muito
resistentes, em seu habitat, vegetando agarradas diretamente à rocha sã, ou,
quando muito, metendo suas raízes sob pedregulhos calcinados, onde parecem
conseguir um pouco de umidade a mais. De todo modo, cozinham sob o sol escaldante
do Mato Grosso, resistindo sobre essas velhas cimeiras de rocha avermelhada.
Quase inexistem elementos arbóreos no local, o que chama atenção, por diferir
de algumas outras Dyckia spp. da região, tal como se observa no habitat de Dyckia
rondonopolitana e D. secundifolia (ver postagem - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2016/11/visita-ao-habitat-de-bromelias-do.html).
Lá estavam aquelas pequenas plantas
ruborizadas, muito decorativas, entremeadas aos demais indivíduos de coloração
típica esverdeada, sugerindo estratégia de resistência. O habitat desta Dyckia sp. ocupa claramente um tipo específico de afloramento rochoso de
arenito, em que inexistem blocos diaclasados (boulders ou matacões). Embora perigosamente restrito, em face de
sua superfície total nada extensa, o afloramento conta com alguns hectares,
havendo outros similares, nas cercanias, que não nos foi dado examinar,
infelizmente.
Estivemos a examinar outros
morros-testemunho, no entorno de até uns cinquenta quilômetros, sem que pudéssemos
encontrar quaisquer outras populações dessa plantinha, ou sequer das orquídeas
e outras plantas rupícolas ou saxícolas que lhe acompanhavam nesse afloramento.
Parece que, a depender da natureza do arenito envolvido no surgimento desses
afloramentos, tanto quanto dos processos erosivos que lhes exumaram do coração
do solo, esses afloramentos realmente funcionam como ilhas e, como tal,
sujeitam-se aos processos biogeográficos que regem sua ecologia.
A região do Planalto dos Alcantilados,
assim como algumas de suas circunvizinhas, é abundante em bromélias do gênero Dyckia.
Porém, nunca conseguimos encontrar outra população dessa linda plantinha, cuja
identidade espero ainda vir conhecer.
Acima - aspecto geral do habitat de Dyckia sp., em Mato Grosso, com inúmeros clastos que descamam da rocha de arenito e as minúsculas bromélias, em meio à macega
Acima - arvoretas surgem apenas em depósitos de solos, em meio a frestas na rocha
Acima - as pequenas bromélias Dyckia sp. ocorrem preferencialmente nas bordas dos afloramentos
Acima - também se aglomeram em pequenas bacias, repletas de areia, vegetando juntamente com Vellozia sp.
Acima - observam-se exemplares de coloração vinácea, lado a lado com outros que carregam a tonalidade tipicamente verde
Acima - recentemente floridas, algumas plantas carregavam cápsulas cheias de sementes
A Seguir - aspecto geral do habitat de Dyckia sp. revisitado
Acima - característico arenito em casco de tartaruga, ao lado do qual ocorrem as Dyckia sp.
Acima - as diminutas bromélias vegetam juntamente com orquídeas Epidendrum campestre
Abaixo - o autor do blog - Orlando Graeff - examina as minúsculas Dyckia sp. do Mato Grosso
Parabéns, olhos para ver e cérebro para pensar, vontade para agir. Esse é o caldo mais precioso que se pode ter.
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