Acima – A
cachoeira denominada Dragão Verdadeiro, na
reserva das Cachoeiras dos Dragões, é um tesouro de belezas cênicas e riqueza
botânica
Se me fosse pedido um exemplo notável de ambiente natural,
no qual se pudesse estudar o cerrado rupestre de altitude, talvez me viesse à
mente a famosa Chapada dos Veadeiros, centenas de quilômetros acima de Brasília
(DF), hoje protegida pelo Parque Nacional de mesmo nome. Contudo, se fosse
necessário um lugar de relativamente fácil acesso aos pesquisadores e universitários
da Capital federal, ou de Goiânia (capital de Goiás e uma das principais
cidades do Centro-Oeste), eu teria sugestão bastante significativa: a reserva
das Cachoeiras dos Dragões, ao largo da
pequena e bucólica Pirenópolis,
cidade histórica goiana.
Na véspera de minha visita a este belo lugar, meu guia Paulo
Padilha, que me guiara pelo ecossistemas da bromélia Tillandsia barrosoae (ver
postagem anterior - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2018/04/serra-dos-pirineus-goias-parte-i.html ), impossibilitado de acompanhar-me neste segundo dia de
expedição, recomendara a visita à reserva das Cachoeiras dos Dragões. Sua
advertência de que a entrada no local se veria acompanhada de severas
restrições, tais como não fumar, não beber ou carregar bebidas alcoólicas e
aparelhos de som; ou de não portar facas e outros instrumentos do tipo; e de
guardar silêncio e respeito ao ambiente, operou efeito exatamente inverso ao
que faria em boa parte dos potenciais visitantes – desejei ainda mais
conhecer lugar como aquele!
A reserva (em fase de reconhecimento como RPPN)
pertence ao Mosteiro Budista Zen Eisho-ji,
que abriga seguidores desta linha do Budismo, sendo principalmente mulheres,
que guardam o lugar com extremo cuidado e simplesmente não permitem a entrada
em termos contrários aos acima expostos. Isso seguramente tem mantido longe
visitantes que não se coadunam com os princípios conservacionistas e vem
servindo para conservar esplendidamente sua natureza pródiga. Contando com ao
menos umas oito belas cachoeiras, a reserva abriga flora biodiversa do Cerrado,
além de fauna importante, como viria a constatar, mais tarde.
O principal atributo botânico da área, sem qualquer dúvida,
é o estado de conservação de extensos fragmentos daquela vegetação de cerrados
rupestres de altitude, que vem sendo reputada como possível polo
difusor de espécies adaptadas, que teriam ocupado importantes nichos ecológicos
na vegetação do cerrado stricto sensu (aquela forma de
cerrado aberto e savanizado). Ao longo do Terciário Superior e do Quaternário, a
progressiva dominação do Clima Tropical do Brasil Central teria promovido a
expansão dessa tipologia, que viria a se tornar a matriz do Bioma Cerrado. Em meu livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, UMA
ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015 – ver link http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html), tratei este
tema com muito cuidado e surgia agora, uma vez mais, oportunidade de conferir
as hipóteses com as quais trabalhei.
Aproveite, a seguir, um pouco das belas imagens da reserva
das Cachoeiras dos Dragões, em Pirenópolis, acompanhadas como de costume pelas
observações a respeito de sua natureza:
A Seguir – As velhas camadas de quartzito, que um dia andaram
sepultadas sob densos mantos sedimentares Pré-Cambrianos (alguns dos mais
antigos do Planeta), foram exumadas por admiráveis torrentes erosivas do
Terciário Superior e Quaternário, deixando-se então colonizar por incontáveis
espécies de plantas adaptadas à severa radiação solar do Brasil Central; que
formaram comunidades características – surgia o cerrado rupestre, que passou a
se adaptar igualmente à crescente elevação de altitude relativa, ao sabor da
elevação epirogênica do Brasil Oriental e se transformou no CERRADO
RUPESTRE DE ALTITUDE
Acima – Interessante mosaico
de paisagens relacionáveis ao cerrado rupestre de altitude, na Serra dos
Pirineus (Cachoeiras dos Dragões), sendo possível divisar, em primeiro plano, a
vegetação típica; além de campos úmidos, vegetações ciliares (nos canais de
rios) e até mesmo fragmentos de cerrado stricto
sensu, nas cimeiras planálticas ao longe
Acima – Por sobre as
fendas e placas fragmentares de quartzito, surgem árvores adaptadas, que são
capazes de se espremer pelas brechas profundas, descendo a dezenas de metros,
para buscar seu sustento fundamental: água e nutrientes (em primeiro plano – o cajuí
Anacardium
humile, da família Anacardiaceae). Entre elas, jardins de pedras e de
plantas criticamente adaptadas
Acima – Um exemplar
de pau-papiro (Tibouchina papyrus – Família Melastomataceae) se espreme
insistentemente entre as bordas de uma rachadura na rocha, no cerrado rupestre
de altitude
Acima – Cenário típico
do cerrado rupestre de altitude, nas Cachoeiras dos Dragões
Acima – O fator
determinante para surgimento dos campos limpos, neste lugar, parece mesmo ser a
saturação de umidade, sob solos muito rasos, que cobrem duríssimo embasamento
rochoso. O surgimento e orientação dos canais fluviais (centro), assim como de
lajes coesas de quartzito escurecido (ao fundo, nos campos) confirma o
diagnóstico. Podem ser avistadas velhas cimeiras planáltica de chapadas
erodidas, onde vegetam cerrados típicos
Acima – Cenário dramático,
conquanto belo, no qual o colo de uma arvoreta se espessou, originando volumoso
calo suberoso, que funciona como entreposto de passagem da seiva bruta, vinda
das profundezas da terra
Adiante – Pavimentos do mais duro quartzito se fragmentam de modo
até decorativo e abrem espaço para plantas herbáceo-arbustivas adaptadas ao
ambiente extremo do cerrado rupestre. As plantas da família Velloziaceae, como
essas Vellozia cf. flavicans, são elementos importantes
e caracterizam a paisagem
Anteriores – Flores de
Vellozia cf. flavicans
A Seguir – Vellozia caruncularis é a espécie de
menor porte da família, no cerrado rupestre de altitude e vegeta em finos substratos
de areia quartzítica alva
Adiante – Outro elemento característico da paisagem dura do cerrado
rupestre de altitude das Cachoeiras dos Dragões é a cactácea Pilosocereus
vilaboensis, que também abunda nos matacões de afloramentos visitados
na véspera
A Seguir – O aspecto mais notável das relações do homem com os
cerrados rupestres de altitude da Serra dos Pirineus é a tradicional mineração
da chamada Pedra de Pirenópolis, que nada mais é que a lâmina
desplacada do quartzito, que se presta admiravelmente bem à construção civil:
pisos, bordas de piscinas e até pavimentos rodoviários são confeccionados com
essas pedras, que são retiradas da natureza, entre outros lugares, na estrada
que conduz à reserva das Cachoeiras dos Dragões
Acima – Cava de
extração de pedras de Pirenópolis, que terminou represando a água que circula
sob o solo, formando um lago, com águas cristalinas. Ao fundo, parte da reserva
das Cachoeiras do Dragão e terras limítrofes
Acima – No interior
da reserva das Cachoeiras dos Dragões, antiga lavra de pedras de Pirenópolis
forma como que decorativo monumento-testemunho, onde as pedras extraídas se
amontoam sobre a lavra, confundindo-se os dois estratos
Abaixo – A marcgraviácea Schwartzia adamantium pode variar de porte, entre
um arbusto que se debruça sobre matacões de pedras e até uma arvoreta de porte
considerável, tal como esta da foto
Acima – A bela Cuspidaria
sceptrum (Família Bignoniaceae), que decora o ambiente árido do cerrado
rupestre, na Serra dos Pirineus
Acima – Allamanda
angustifolia (Família Apocynaceae)
Acima – Curiosa orquídea
do gênero Habenaria, no ambiente intersticial do cerrado rupestre de
altitude
Acima – Lindas flores
da melastomatácea Chaetostoma stenocladon
Acima – Ipomoea
sp. (Família Convolvulaceae)
Acima – Flores de Kielmeyera
cf. coriacea
(Família Calophyllaceae) – pau-santo
Acima – Chresta
speciosa (Família Asteraceae)
A Seguir – Os mais esplêndidos cenários da reserva são mesmo as
suas cachoeiras, todas tendo recebido nomes relacionados ao Dragão, figura
importante para os budistas, com todo seu simbolismo. Todas se encontram
admiravelmente conservadas, praticamente sem qualquer sinal de degradação. Veja
algumas delas:
Abaixo – Cachoeira Dragão
do Céu, com límpido poço de águas cristalinas e esverdeadas
Abaixo – Uma das mais
belas e altas, a Cachoeira Dragão Verdadeiro, com paredões rochosos repletos de
plantas
Abaixo – A Cachoeira
Dragão Voador, também uma das mais altas e bastante elevada em altitude
Acompanhe os links de alguns vídeos que
efetuamos, na reserva das Cachoeiras dos Dragões, que dão excelente ideia dos
cenários visitados:
Adiante – Alguns elementos florísticos acompanham a vegetação
luxuriante das faixas marginais dos rios, beneficiando-se da umidade e da
regularidade de temperatura da floresta
Acima – Philodendron
cf. mello-barretoanum
(Família Araceae)
Acima – Dois estipes
delgados dos palmiteiros Euterpe edulis (Família Arecaceae)
se superpõem na fotografia, fazendo parecer palmeira única, com duas frondes,
numa elegante ilusão de ótica
Acima – Densas touceiras
de Philodendron
mayoi (Família Araceae) recobrem as paredes da Cachoeira Dragão
Verdadeiro, tirando partido do ambiente saturado de umidade.
Abaixo – Philodendron
mayoi também vegeta de forma própria, como epífita, nos troncos que
cercam o salto
Acima – Infelizmente,
toda essa riqueza das matas ciliares das Cachoeiras dos Dragões vem
retrocedendo, ano após ano, mercê de incêndios criminosos, ateados por
fazendeiros limítrofes, nos meses mais secos e quentes do ano. Neste trecho,
observa-se destruição total da floresta, após o último incêndio
Anteriores – Exemplares da palmeira acaule Attalea cf. exigua,
que é o catolé ou indaiá-do-campo. Goiás é rica em palmeiras, que ainda
demandam estudos botânicos e vêm revelando novidades
Acima – Sobre as
rochas que circundam a Cachoeira Rei do Dragão, observam-se exemplares floridos
de uma velosiácea do gênero Barbacenia
A Seguir – Exatamente nesta
área mais elevada da reserva, foi observado o admirável urubu-rei (Sarcoramphus papa –
Família Cathartidae), uma das aves mais ameaçadas de nossa fauna. Esta ave vem
experimentando boas condições de conservação, na reserva das Cachoeiras do
Dragão, o que deve ser considerado fato relevante
Acima – O autor Orlando Graeff junto à Cachoeira Dragão
Verdadeiro
Abaixo – A bucólica Pirenópolis é destino dos mais
agradáveis, no Centro-Oeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário