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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

EXCURSÃO AO PARQUE NACIONAL DAS EMAS – GOIÁS – OUTUBRO DE 2018




Acima – Furna da alta cabeceira do rio Jacuba, no Parque Nacional das Emas, em Goiás


Depois de uma proveitosa bateria de excursões pela TRÍPLICE DIVIDA MS – MT – GO, nos dias anteriores (ver postagem anterior - TRÍPLICE DIVISA MS - MT - GO), e de uma honrosa palestra no campus de Chapadão do Sul da UFMS, na véspera, chegou a vez da excursão ao Parque Nacional das Emas, também ele situado no perímetro da expedição de outubro de 2018. O Parque das Emas era velho conhecido, tendo sido visitado por mim pela primeira vez em 1996 e depois reexaminado em 2011, na fase preparatória da elaboração de meu livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015).

Esta preciosa unidade de conservação protege alguns dos mais importantes fragmentos de cerrados do país, no qual sobrevivem animais e plantas ameaçados de desaparecimento. Sua vegetação enigmática serviu de base para importantes capítulos de minha obra, muito especialmente no que diz respeito aos campos e ao cerrado stricto sensu, sendo encontrados ali alguns de seus mais significativos tipos vegetacionais. A observação do Parque das Emas sempre foi fundamental para minhas reflexões e decidi então conferir alguns de seus aspectos, tirando partido de minha nova passagem pela região.

Parti de Chapadão do Sul, no Mato Grosso do Sul, cerca de 80km distante, na direção do Parque, onde me fiz acompanhar de guia experimentada, que mostrou grande conhecimento da geografia e da natureza da UC: Ercilene Freitas Valentim, mais conhecida como Nena. Nena foi incansável, conduzindo-me aos mais importantes pontos do Parque, além de ainda receber o restante do grupo de amigos, vindos de Chapadão do Sul – a Bióloga Lucinéia Freitas Pires, o Agrônomo Emerson F. Andrade e o também Biólogo José Vitor Fasoli – ao escurecer, para assistirmos todos à famosa bioluminescência dos cupinzeiros.

A seguir, são apresentados os mais importantes aspectos dessa nova visita ao Parque das Emas, acompanhados das usuais imagens:   

A seguir – Os campos limpos e campos sujos são um dos mais significativos conjuntos de paisagens botânicas do Parque das Emas e talvez representem a derradeira reserva deste tipo de vegetação incólume do Brasil. Sua observação é fundamental para quem deseje compreender a fitogeografia do Cerrado

Acima – Lado a lado, no centro do Parque das Emas, é possível observar os dois tipos de vegetação campestre – campos limpos e campos sujos (por ordem da esquerda para a direita)

Acima – Os campos sujos ocupam os compartimentos mais secos, porém, invariavelmente em confinamento com os campos limpos. Nos campos sujos, predominam espécies arbustivas e árvores do cerrado miniaturizadas. São zonas preferenciais para o surgimento dos célebres cupinzeiros, nos quais ocorre o fenômeno da bioluminescência (ver adiante)

Acima – Outro ângulo de observação, no qual se enxerga um fragmento de campo limpo, na cabeceira do córrego do Buriti Torto, numa altitude de aproximados 820m

Acima – O autor Orlando Graeff, em meio a densa população do capim-flecha Tristachya leiostachya (família Poaceae = Graminae), espécie que vem avançando aceleradamente sobre a divisa entre os campos limpos e campos sujos. O fogo parece tomar parte importante na dinâmica de dispersão desta curiosa gramínea

Acima – Pequena área recentemente destruída pelo fogo que, segundo relato de Nena, minha guia no Parque, fora deflagrado dias antes, a partir de uma descarga elétrica de raio. Notar que, em face do já avançado período de chuvas, o episódio de queimada não havia prosperado muito e a rebrota já vinha acontecendo. Ao longo da excursão, viríamos a presenciar importantes episódios de fogo no Parque, após copiosos temporais (ver também adiante)


Abaixo – As emas deram nome ao Parque, embora não sejam seu animal mais numeroso, nos dias de hoje. Nossa maior ave - Rhea americana – certamente fora menos comum do que é hoje na região, pois não aprecia muito o cerrado denso, que hoje foi praticamente erradicado, em favor de extensas lavouras. Nelas, por se tratarem de áreas abertas, as emas abundam e dão a impressão de que as populações do Parque são irrelevantes, o que não foi verdade, no passado


Acima – Outro bicho numeroso no Parque das Emas é o veado-campeiro Ozotoceros bezoarticus, que se encontrava então em plena fase reprodutiva. Na imagem acima, uma jovem fêmea era acompanhada de seu recém-nascido filhote, em meio à macega densa do centro do Parque

Acima – Indivíduo jovem de veado-campeiro vagando solitário na furna das cabeceiras do rio Jacuba, avistado por nós, ao longe


Acima – Jovem macho de veado-campeiro, que surpreendemos a pastar numa área de capim novo, rebrotado após o aceiramento efetuado pelos agentes do Parque. Esses aceiros vêm sendo responsáveis pela conservação da vegetação da unidade de conservação e, por serem realizados a partir da queima controlada de longas tiras de cerrados, ainda servem para atrair herbívoros, por força da relva tenra das rebrotas

A seguir – O cajuzinho-anão Anacardium humile (família Anacardiaceae) é planta bastante comum, nas áreas campestres do Parque das Emas, onde forma consideráveis populações, nas quais abundam nesta época seus frutos adocicados, cujas castanhas são gulosamente apreciadas pelas araras e outras aves, que avistamos continuamente a forragear.

Acima – O frutinho de Anacardium humile

Abaixo – Adensamento de plantas do cajuzinho-anão, no Parque das Emas



A seguir – Algumas plantas são características das áreas campestres do Parque Nacional das Emas, estando muitas delas em pleno florescimento, por ocasião de nossa visita

Acima – A vistosa flor da malvácea Pavonia rosa-campestris


Acima – Mandevilla illustris (fam. Apocynaceae)


Acima – Calliandra dysantha (fam. Fabaceae)


Acima – Bromelia cf. sylvicola (fam. Bromeliaceae), em meio à rebrota de cajueiros-anões


Abaixo – Enquanto nos preparávamos para examinar os “ombros” da depressão do vale do rio Jacuba, no setor nordeste do Parque das Emas, começaram a despencar constantes pancadas de verão, que nos foram cercando, por todos os lados, dificultando-nos distanciar do automóvel, receosos das contínuas e tonitruantes descargas elétricas, que sobrevinham. Mais tarde, verificaríamos importantes consequências delas, especialmente nessas beiradas de chapadões, onde ocorreram diversos focos de fogo


Acima – Fortes pancadas de chuvas de primavera despencavam sobre a vertente oposta do alto vale do rio Jacuba, na divisa nordeste do Parque, enquanto examinávamos a flora de cerrados stricto sensu que recobre as bordas da furna – em primeiro plano, uma curiosa espécie de cf. Myrcia (fam. Myrtaceae), já em frutos no cerrado


Acima – A célebre mangaba Hancornia speciosa (fam. Apocynaceae), cujos frutos são imensamente apreciados pelos animais do Cerrado e também pelos seres humanos. Sob a árvore, costumam jazer os frutos maduros, que são atacados imediatamente por antas, veados e outros bichos. Somente podem ser consumidos nesta fase, caídos ao chão, pois aqueles ainda no pé se encontram verdes e não caem nada bem

Acima – O bate-caixa (Palicourea rigida – fam. Rubiaceae) é espécie numerosa, no cerrado stricto sensu do Parque das Emas, especialmente nas bordas ou ombros do imenso chapadão, junto à furna do rio Jacuba e suas cabeceiras


Acima – Ouratea cf. spectabilis (fam. Ochnaceae), tendo ao fundo as vertentes da furna das cabeceiras do rio Jacuba



Acima e Abaixo – A vistosa Ouratea floribunda (fam. Ochnaceae)



Acima – Árvore tortuosa e escultural de pequi (Caryocar brasiliense – fam. Caryocaraceae), no cerrado stricto sensu do Parque das Emas


Acima – Eriotheca gracilipes (fam. Malvaceae) e suas painas, que liberavam miríades de sementes plumosas ao vento, nesta época do ano


Acima – Pouteria torta (fam. Sapotaceae)


Acima – O pau-santo (Kielmeyera coriacea – fam. Clusiaceae), uma espécie típica do Cerrado, que revela folhagem perene e lindas flores creme – Abaixo duas fotos



Acima – Desde que conheci o Parque Nacional das Emas, em 1996, me impressionaram as bromélias Aechmea bromeliifolia variedade albobracteata, que vegetam resilientes, em velhas árvores tortuosas, na alta bacia do rio Jacuba. Sua importância ecológica é inegável como suprimento de água, abrigo e forrageamento, para inúmeras espécies de aves do cerrado stricto sensu


A seguir – Um de meus maiores interesses, nesta excursão, era o de reencontrar algumas velhas colunas de arenito, que emergem nas vertentes da alta bacia do rio Jacuba, a nordeste do Parque, que eu havia visitado em 1996, durante minha primeira passagem pela região. Estivemos perto de encontra-las, embora as tempestades de raios nos tenham impedido de avançar mais na busca. Mesmo assim, nos foi possível examinar detalhadamente a natureza de material laterítico que forma importante paleopavimento, sob o solo latossólico do Parque e lhe governa a drenagem geral. Ainda pretendemos estudar melhor sua geomorfologia, em futuro próximo, mas as bases foram estabelecidas, com sucesso – ver imagens a seguir

A seguir – Velhas imagens, obtidas em 1996, durante minha primeira expedição ao Parque das Emas, mostrando as colunas de arenito por mim visitadas e sua representação gráfica feita por mim, naquela ocasião. Não pudemos encontra-las, desta feita, mas avançaremos na sua pesquisa tão importante




Adiante – As bordas ou ombros da furna do alto rio Jacuba vêm sendo aceleradamente atacadas pela erosão, necessário dizer: processo natural de escultura do relevo. O fogo realmente tem acelerado sobremaneira o processo, que se dá basicamente sobre pavimentos de canga laterítica muito espessa


Acima – O autor do blog Orlando Graeff examina a frente de erosão do Parque das Emas


Acima – Blocos ainda coesos jazem sobre o pavimento em decomposição e revelam o alinhamento dos espessos lateritos do Parque das Emas, numa altitude de 780m

Abaixo – A guia Nena satisfeita por ter ajudado a encontrar tão importante elemento geomorfológico do Parque das Emas, quintal de suas atividades, que tão bem desempenha



Adiante – Mais algumas paisagens relacionadas ao pavimento de tapiocanga do Parque das Emas, que determina seu atual fluxo de drenagem e condiciona muitas de suas paisagens botânicas

Acima – Sinais de erosão nas bordas do planalto

Acima – Exumação natural da canga laterítica, ao longo da furna do rio Jacuba

Abaixo – Durante nossas atividades no Parque das Emas, descargas elétricas (raios) provocaram alguns focos de incêndio na vegetação, sem que viessem a ganhar proporções efetivamente catastróficas, uma vez que despencaram copiosas chuvas, em toda a área. Mas, assim mesmo, o fenômeno serviu para que pudéssemos observar alguns aspectos importantes sobre a relação entre o fogo e o Cerrado. O mais notável, para mim, foi a coincidência repetitiva entre a incidência das descargas e os tais “ombros” da furna do alto rio Jacuba, exatamente nos pontos onde afloram as cangas lateríticas, que são ricas em ferro.


Abaixo – Também no Parque das Emas, cujas águas correm predominantemente para a margem direita do rio Paraná, assinalamos plantas do gênero Dyckia (família Bromeliaceae), que referimos na postagem anterior, ao visitarmos as nascentes do rio Taquari, voltadas ao Pantanal. Essa Dyckia sp., com folhas acanaladas e flores vistosas, ocorre por entre os lateritos da borda da furna do rio Jacuba e indica se tratar de espécie ainda nova para a ciência, de acordo com o naturalista Walter Miguel Kranz, estudioso de sua dispersão pelo Centro-Oeste.



A seguir – Avistamentos de aves, durante as andanças pelo Parque Nacional das Emas, agradecendo o apoio ornitológico de Lucinéia Freitas Pires e Elsimar Silva da Silveira:




Acima – Gavião-do-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus – forma melânica)

Acima – Gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis)

Acima – Loros ou papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva)

Adiante – Tucano-açu, ou tucanuçu (Ramphastos toco)




A seguir – O ponto mágico de nossa visita ao Parque das Emas foi o anoitecer, quando vieram se juntar a nós o grupo constando da Bióloga Lucinéia Freitas Pires, do Agrônomo Emerson Andrade e do Biólogo José Vitor Fasoli, para assistirmos ao fenômeno da bioluminescência, nos imensos cupinzeiros do córrego do Buriti Torto. O espetáculo tem atraído ecoturistas de várias partes, por seu caráter intrigante e belo: larvas de insetos luminescentes (vagalumes) se alojam em pequenos orifícios dos cupinzeiros, atraindo cupins e outros bichos, que são por elas predados. Curiosamente, o fenômeno parece ocorrer sempre nos mesmos cupinzeiros e Nena foi capaz de prever exatamente quais seriam os locais de bioluminescência



Acima – Bioluminescência no Parque das Emas. Ao fundo, no horizonte, o fogo nos limites da furna do rio Jacuba











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