Acima – Furna da alta
cabeceira do rio Jacuba, no Parque Nacional das Emas, em Goiás
Depois de uma proveitosa bateria de excursões pela TRÍPLICE
DIVIDA MS – MT – GO, nos dias anteriores (ver postagem anterior - TRÍPLICE DIVISA MS - MT - GO), e de uma
honrosa palestra no campus de Chapadão do Sul da UFMS, na véspera, chegou a vez
da excursão ao Parque Nacional das Emas, também ele situado no perímetro
da expedição de outubro de 2018. O Parque das Emas era velho conhecido, tendo
sido visitado por mim pela primeira vez em 1996 e depois reexaminado em 2011,
na fase preparatória da elaboração de meu livro FITOGEOGRAFIA
DO BRASIL, UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015).
Esta preciosa unidade de conservação protege alguns dos mais
importantes fragmentos de cerrados do país, no qual sobrevivem animais e
plantas ameaçados de desaparecimento. Sua vegetação enigmática serviu de base
para importantes capítulos de minha obra, muito especialmente no que diz
respeito aos campos e ao cerrado stricto sensu, sendo encontrados ali
alguns de seus mais significativos tipos vegetacionais. A observação do Parque
das Emas sempre foi fundamental para minhas reflexões e decidi então conferir
alguns de seus aspectos, tirando partido de minha nova passagem pela região.
Parti de Chapadão do Sul, no Mato Grosso do Sul, cerca de 80km
distante, na direção do Parque, onde me fiz acompanhar de guia experimentada,
que mostrou grande conhecimento da geografia e da natureza da UC: Ercilene Freitas Valentim, mais
conhecida como Nena.
Nena foi incansável, conduzindo-me aos mais importantes pontos do Parque, além
de ainda receber o restante do grupo de amigos, vindos de Chapadão do Sul – a
Bióloga Lucinéia Freitas Pires, o
Agrônomo Emerson F. Andrade e o
também Biólogo José Vitor Fasoli –
ao escurecer, para assistirmos todos à famosa bioluminescência dos cupinzeiros.
A seguir, são apresentados os mais importantes aspectos
dessa nova visita ao Parque das Emas, acompanhados das usuais imagens:
A seguir – Os campos
limpos e campos sujos são um dos mais significativos conjuntos de paisagens
botânicas do Parque das Emas e talvez representem a derradeira reserva deste
tipo de vegetação incólume do Brasil. Sua observação é fundamental para quem
deseje compreender a fitogeografia do Cerrado
Acima – Lado a lado,
no centro do Parque das Emas, é possível observar os dois tipos de vegetação
campestre – campos limpos e campos sujos (por ordem da esquerda para a direita)
Acima – Os campos
sujos ocupam os compartimentos mais secos, porém, invariavelmente em
confinamento com os campos limpos. Nos campos sujos, predominam espécies
arbustivas e árvores do cerrado miniaturizadas. São zonas preferenciais para o
surgimento dos célebres cupinzeiros, nos quais ocorre o fenômeno da
bioluminescência (ver adiante)
Acima – Outro ângulo
de observação, no qual se enxerga um fragmento de campo limpo, na cabeceira do
córrego do Buriti Torto, numa altitude de aproximados 820m
Acima – O autor Orlando Graeff, em meio a densa
população do capim-flecha Tristachya leiostachya (família Poaceae
= Graminae), espécie que vem avançando aceleradamente sobre a divisa entre os
campos limpos e campos sujos. O fogo parece tomar parte importante na dinâmica
de dispersão desta curiosa gramínea
Acima – Pequena área
recentemente destruída pelo fogo que, segundo relato de Nena, minha guia no
Parque, fora deflagrado dias antes, a partir de uma descarga elétrica de raio.
Notar que, em face do já avançado período de chuvas, o episódio de queimada não
havia prosperado muito e a rebrota já vinha acontecendo. Ao longo da excursão,
viríamos a presenciar importantes episódios de fogo no Parque, após copiosos
temporais (ver também adiante)
Abaixo – As emas
deram nome ao Parque, embora não sejam seu animal mais numeroso, nos dias de
hoje. Nossa maior ave - Rhea americana – certamente fora
menos comum do que é hoje na região, pois não aprecia muito o cerrado denso,
que hoje foi praticamente erradicado, em favor de extensas lavouras. Nelas, por
se tratarem de áreas abertas, as emas abundam e dão a impressão de que as
populações do Parque são irrelevantes, o que não foi verdade, no passado
Acima – Outro bicho
numeroso no Parque das Emas é o veado-campeiro Ozotoceros bezoarticus, que
se encontrava então em plena fase reprodutiva. Na imagem acima, uma jovem fêmea
era acompanhada de seu recém-nascido filhote, em meio à macega densa do centro
do Parque
Acima – Indivíduo
jovem de veado-campeiro vagando solitário na furna das cabeceiras do rio
Jacuba, avistado por nós, ao longe
Acima – Jovem macho
de veado-campeiro, que surpreendemos a pastar numa área de capim novo,
rebrotado após o aceiramento efetuado pelos agentes do Parque. Esses aceiros
vêm sendo responsáveis pela conservação da vegetação da unidade de conservação
e, por serem realizados a partir da queima controlada de longas tiras de
cerrados, ainda servem para atrair herbívoros, por força da relva tenra das
rebrotas
A seguir – O
cajuzinho-anão Anacardium humile (família Anacardiaceae) é planta bastante
comum, nas áreas campestres do Parque das Emas, onde forma consideráveis
populações, nas quais abundam nesta época seus frutos adocicados, cujas
castanhas são gulosamente apreciadas pelas araras e outras aves, que avistamos
continuamente a forragear.
Acima – O frutinho de
Anacardium
humile
Abaixo – Adensamento
de plantas do cajuzinho-anão, no Parque das Emas
A seguir – Algumas
plantas são características das áreas campestres do Parque Nacional das Emas,
estando muitas delas em pleno florescimento, por ocasião de nossa visita
Acima – A vistosa
flor da malvácea Pavonia rosa-campestris
Acima – Mandevilla
illustris (fam. Apocynaceae)
Acima – Calliandra
dysantha (fam. Fabaceae)
Acima – Bromelia
cf. sylvicola
(fam. Bromeliaceae), em meio à rebrota de cajueiros-anões
Abaixo – Enquanto nos
preparávamos para examinar os “ombros” da depressão do vale do rio Jacuba, no
setor nordeste do Parque das Emas, começaram a despencar constantes pancadas de
verão, que nos foram cercando, por todos os lados, dificultando-nos distanciar
do automóvel, receosos das contínuas e tonitruantes descargas elétricas, que
sobrevinham. Mais tarde, verificaríamos importantes consequências delas,
especialmente nessas beiradas de chapadões, onde ocorreram diversos focos de
fogo
Acima – Fortes
pancadas de chuvas de primavera despencavam sobre a vertente oposta do alto
vale do rio Jacuba, na divisa nordeste do Parque, enquanto examinávamos a flora
de cerrados stricto sensu que recobre
as bordas da furna – em primeiro plano, uma curiosa espécie de cf. Myrcia
(fam. Myrtaceae), já em frutos no cerrado
Acima – A célebre
mangaba Hancornia speciosa (fam. Apocynaceae), cujos frutos são
imensamente apreciados pelos animais do Cerrado e também pelos seres humanos.
Sob a árvore, costumam jazer os frutos maduros, que são atacados imediatamente
por antas, veados e outros bichos. Somente podem ser consumidos nesta fase,
caídos ao chão, pois aqueles ainda no pé se encontram verdes e não caem nada
bem
Acima – O bate-caixa
(Palicourea
rigida – fam. Rubiaceae) é espécie numerosa, no cerrado stricto sensu do Parque das Emas,
especialmente nas bordas ou ombros do imenso chapadão, junto à furna do rio
Jacuba e suas cabeceiras
Acima – Ouratea
cf. spectabilis
(fam. Ochnaceae), tendo ao fundo as vertentes da furna das cabeceiras do rio
Jacuba
Acima e Abaixo – A
vistosa Ouratea floribunda (fam. Ochnaceae)
Acima – Árvore
tortuosa e escultural de pequi (Caryocar brasiliense – fam.
Caryocaraceae), no cerrado stricto sensu
do Parque das Emas
Acima – Eriotheca
gracilipes (fam. Malvaceae) e suas painas, que liberavam miríades de
sementes plumosas ao vento, nesta época do ano
Acima – Pouteria
torta (fam. Sapotaceae)
Acima – O pau-santo (Kielmeyera
coriacea – fam. Clusiaceae), uma espécie típica do Cerrado, que revela
folhagem perene e lindas flores creme – Abaixo duas fotos
Acima – Desde que
conheci o Parque Nacional das Emas, em 1996, me impressionaram as bromélias Aechmea
bromeliifolia variedade albobracteata, que vegetam
resilientes, em velhas árvores tortuosas, na alta bacia do rio Jacuba. Sua
importância ecológica é inegável como suprimento de água, abrigo e
forrageamento, para inúmeras espécies de aves do cerrado stricto sensu
A seguir – Um de meus
maiores interesses, nesta excursão, era o de reencontrar algumas velhas colunas
de arenito, que emergem nas vertentes da alta bacia do rio Jacuba, a nordeste
do Parque, que eu havia visitado em 1996, durante minha primeira passagem pela
região. Estivemos perto de encontra-las, embora as tempestades de raios nos
tenham impedido de avançar mais na busca. Mesmo assim, nos foi possível
examinar detalhadamente a natureza de material laterítico que forma importante
paleopavimento, sob o solo latossólico do Parque e lhe governa a drenagem geral.
Ainda pretendemos estudar melhor sua geomorfologia, em futuro próximo, mas as
bases foram estabelecidas, com sucesso – ver imagens a seguir
A seguir – Velhas imagens,
obtidas em 1996, durante minha primeira expedição ao Parque das Emas, mostrando
as colunas de arenito por mim visitadas e sua representação gráfica feita por
mim, naquela ocasião. Não pudemos encontra-las, desta feita, mas avançaremos na
sua pesquisa tão importante
Adiante – As bordas
ou ombros da furna do alto rio Jacuba vêm sendo aceleradamente atacadas pela
erosão, necessário dizer: processo natural de escultura do relevo. O fogo
realmente tem acelerado sobremaneira o processo, que se dá basicamente sobre
pavimentos de canga laterítica muito espessa
Acima – O autor do
blog Orlando Graeff examina a frente
de erosão do Parque das Emas
Acima – Blocos ainda
coesos jazem sobre o pavimento em decomposição e revelam o alinhamento dos
espessos lateritos do Parque das Emas, numa altitude de 780m
Abaixo – A guia Nena satisfeita por ter ajudado a
encontrar tão importante elemento geomorfológico do Parque das Emas, quintal de
suas atividades, que tão bem desempenha
Adiante – Mais algumas
paisagens relacionadas ao pavimento de tapiocanga do Parque das Emas, que
determina seu atual fluxo de drenagem e condiciona muitas de suas paisagens
botânicas
Acima – Sinais de
erosão nas bordas do planalto
Acima – Exumação natural
da canga laterítica, ao longo da furna do rio Jacuba
Abaixo – Durante nossas
atividades no Parque das Emas, descargas elétricas (raios) provocaram alguns focos
de incêndio na vegetação, sem que viessem a ganhar proporções efetivamente
catastróficas, uma vez que despencaram copiosas chuvas, em toda a área. Mas,
assim mesmo, o fenômeno serviu para que pudéssemos observar alguns aspectos
importantes sobre a relação entre o fogo e o Cerrado. O mais notável, para mim,
foi a coincidência repetitiva entre a incidência das descargas e os tais “ombros”
da furna do alto rio Jacuba, exatamente nos pontos onde afloram as cangas
lateríticas, que são ricas em ferro.
Abaixo – Também no
Parque das Emas, cujas águas correm predominantemente para a margem direita do
rio Paraná, assinalamos plantas do gênero Dyckia (família Bromeliaceae), que
referimos na postagem anterior, ao visitarmos as nascentes do rio Taquari,
voltadas ao Pantanal. Essa Dyckia sp., com folhas acanaladas e
flores vistosas, ocorre por entre os lateritos da borda da furna do rio Jacuba
e indica se tratar de espécie ainda nova para a ciência, de acordo com o
naturalista Walter Miguel Kranz,
estudioso de sua dispersão pelo Centro-Oeste.
A seguir –
Avistamentos de aves, durante as andanças pelo Parque Nacional das Emas, agradecendo o apoio ornitológico de Lucinéia Freitas Pires e Elsimar Silva da Silveira:
Acima – Gavião-do-rabo-branco
(Geranoaetus
albicaudatus – forma melânica)
Acima – Gavião-caboclo
(Heterospizias
meridionalis)
Acima – Loros ou
papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva)
Adiante – Tucano-açu, ou tucanuçu (Ramphastos toco)
A seguir – O ponto
mágico de nossa visita ao Parque das Emas foi o anoitecer, quando vieram se
juntar a nós o grupo constando da Bióloga Lucinéia
Freitas Pires, do Agrônomo Emerson
Andrade e do Biólogo José Vitor
Fasoli, para assistirmos ao fenômeno da bioluminescência, nos imensos
cupinzeiros do córrego do Buriti Torto. O espetáculo tem atraído ecoturistas de
várias partes, por seu caráter intrigante e belo: larvas de insetos
luminescentes (vagalumes) se alojam em pequenos orifícios dos cupinzeiros,
atraindo cupins e outros bichos, que são por elas predados. Curiosamente, o
fenômeno parece ocorrer sempre nos mesmos cupinzeiros e Nena foi capaz de
prever exatamente quais seriam os locais de bioluminescência
Acima –
Bioluminescência no Parque das Emas. Ao fundo, no horizonte, o fogo nos limites
da furna do rio Jacuba
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