A região de Nobres, a nordeste de Cuiabá,
no Mato Grosso, tem ganhado fama, por suas águas cristalinas, que nascem entre
rochas calcárias, formando belas cachoeiras e rios mansos, onde turistas buscam
contato com a natureza e realizam mergulhos contemplativos, para admirar peixes
semidomesticados, que se aproximam das pessoas. Também há na região diversas
cavernas, que atraem os visitantes, em busca de temas espeleológicos e
aventuras subterrâneas. Porém, uma vez mais, não eram os atrativos turísticos
convencionais que nos atraíam. As vegetações características constituíam nosso
interesse maior, em Nobres e Rosário Oeste, municípios que concentram esse polo
ecoturístico mato-grossense.
Um gigantesco arco geológico corta os
estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, desde o sul da região pantaneira,
próximo à fronteira com o Paraguai, até o extremo nordeste do Mato Grosso, na
bacia do rio Araguaia. É o Arco de São Vicente, formado em eras geológicas
distantes, por força das colisões entre placas tectônicas. Somente nos últimos
poucos milhões de anos, essa megafeição geomorfológica se foi revelando, pela
gradual erosão das camadas sedimentares que a cobriam. A partir desse processo,
vão sendo exumadas cadeias relacionadas ao soerguimento de imensos corpos intrusivos.
Regionalmente, surgem cadeias que ganham nomes distintos, como por exemplo,
Serra de Maracaju, no Mato Grosso do Sul, e Serra das Araras, acima dos limites
norte do Pantanal. A região que Maurício
Verboonen e eu visitaríamos, ao final de janeiro de 2013, representa
disjunção que vai se ligar à lendária Serra do Roncador, centenas de
quilômetros a nordeste, formando como que um grande S, que pode ser facilmente divisado, nas imagens-satélite
disponíveis.
A erosão dos dois últimos milhões de anos
tratou de expor elevadas frentes de cuestas
(paredões quase contínuos), onde arenitos e quartzitos são revelados e formam
escarpas repletas de fragmentos de rocha e circundam soberbos inselbergs de calcário, que parecem
castelos perdidos na paisagem. Já havíamos seguido essas paisagens calcárias,
em diversas partes do país. Ao atravessar o leste de Goiás, na direção do norte
de Minas Gerais, na primeira fase da Expedição Fitogeográfica 2012 (http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2012/04/do-centro-oeste-ao-norte-de-minas.html
), citamos essas feições características da paisagem, que costumam abrigar
interessantes floras remanescentes de fases semiáridas do Pleistoceno. Em
Nobres e Rosário Oeste, desta vez, examinaríamos florestas densas, que guardam
íntimas relações com a Amazônia, apesar de representarem típicas florestas
estacionais, ou seja, matas que enfrentam prolongados períodos secos,
anualmente, perdendo boa parte de suas folhas.
Nossa visita ocorreu em meio à estação
chuvosa, época do apogeu vegetativo dessas florestas e cerradões. Na diminuta
localidade de Bom Jardim, que pertence ao município de Nobres, nas cabeceiras
do rio Cuiabá, visitamos florestas situadas ao redor, onde existe uma unidade
de conservação - Parque Estadual da Caverna Azul - em fase de planejamento,
além de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) pertencente ao SESC (Serviço Social do Comércio), que
também mantém uma famosa RPPN, na região do Pantanal (Poconé – MT). Veja, nas
imagens que se seguem, alguns aspectos das paisagens que examinamos, durante
esta viagem:
Abaixo: Nobres, no Mato
Grosso, vem se tornando conhecida por suas belezas naturais ligadas às águas
cristalinas que nascem nos calcários, como a cachoeira da Serra Azul e o rio
Triste, onde os turistas mergulham em meio aos peixes, como se estivessem num
aquário a céu aberto.
A Seguir: Mas, o que nos
levou a visitar a região foram suas vegetações características, que possuem
influências amazônicas. Predominam cerradões e florestas estacionais (Seasonally Dry Tropical Forests – SDTF),
onde se observam grandes árvores, apesar da intensa exploração realizada nos
últimos anos.
Abaixo: O relevo regional
caracteriza o que os geomorfólogos chamam de Pediplano Cuiabano, uma vasta zona
de erosão milenar, da qual restam escarpas (frentes
de cuestas) íngremes, e cujos sedimentos vêm formando a extensa depressão
pantaneira.
A Seguir: Na região de
Nobres e Rosário Oeste, predominam inselbergs
(pequenos morrotes que restam da erosão generalizada) de calcário, sobre os
quais vegetam floras particulares.
Acima: A bromélia que supusemos ser Encholirium
lymanianum, mais tarde identificada pelos pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro como se tratando de Dyckia ferruginea. É uma das espécies características dos afloramentos de
calcário, conquanto vegete também em outros tipos de rochas expostas, ao longo
do Arco de São Vicente. Suas populações fazem lembrar aquelas de outras
espécies deste mesmo gênero, que observamos na Caatinga, durante a Expedição
Fitogeográfica 2012.
Adiante: Onde a floresta
encontra as rochas calcárias, surgem micropaisagens admiráveis, onde raízes de
figueiras imensas (Ficus spp. – família Moraceae) formam amálgama indissociável
com rochas de superfície rugosa, que abrigam inúmeras outras plantas rupícolas.
Acima: Maurício Verboonen,
ao fundo de uma fenda entre matacões de calcário, sobre os quais se enovelam
raízes de velhas figueiras, lembrando cidades perdidas de antigas civilizações
da América Central.
Abaixo: Nosso guia em
Nobres – Sr. Veríssimo Francisco da Costa, conhecido como Bugio – posa junto a um conjunto de blocos de calcário, em meio à
floresta densa.
A Seguir: Sobre frestas
nas rochas calcárias, em grotas úmidas, próximas às diversas cachoeiras da
Serra Azul, vegetam belas camadas de Selaginella sp. (família
Selaginellaceae), além de bromeliáceas do gênero Pitcairnia e gesneriáceas
que produzem delicadas flores arroxeadas.
Adiante: Nas encostas
inclinadas, onde ocorrem solos mais espessos, entremeados com pilhas de
fragmentos de rocha em decomposição, vegetam as mais densas florestas, nas
quais se encontram elementos amazônicos e centro-brasileiros, relacionados às
florestas estacionais (SDTF). A
despeito de terem sido intensamente exploradas, essas matas ainda exibem
grandes madeiros de espécies valiosas, tais como aroeiras, gonçaleiros,
garapeiras, perobas e jequitibás.
Acima
– Attalea
speciosa é a palmeira dominante nas florestas da região, abrigando
densas populações de samambaias-do-mato-grosso (Polypodium decumanum –
família Polypodiaceae), na base de suas folhas
Acima
– Grandes jequitibás-vermelhos (Cariniana rubra – família
Lecythidaceae) ocupam solos mais úmidos, onde o sub-bosque é dominado por
espécies adaptadas à saturação
Acima
– Imensas lianas (cipós) revelam o estado de conservação das florestas locais.
Alguns são mais idosos que as grandes árvores ao redor
Acima
– Portentoso exemplar de peroba (Aspidosperma sp. – família
Apocynaceae), em cujo tronco e galhos observamos orquídeas, tais como Cattleya
nobilior
Abaixo
– Maurício posa próximo a uma dessas enormes perobas de Nobres
Acima
– Uma das características marcantes das florestas estacionais de Mato Grosso é
a grande quantidade de samambaias trepadeiras e outras lianas que revestem o
terço inferior dos troncos das árvores mais elevadas, assim como a quase
totalidade dos menores exemplares
Acima
– Torna-se difícil acreditar, ao visitar florestas luxuriantes como essas de
Nobres, que o fogo as possa atingir, com relativa frequência. Mas,
infelizmente, isso ocorre e ocasiona sérios danos à flora, como mostra esse
flagrante obtido no coração da mata
Acima
– Nosso guia Bugio posa ao pé de uma bela garapeira (Apuleia leiocarpa –
família Fabaceae), cujo tronco decorativo se elevava no dossel da mata (Abaixo)
Acima
– Aspecto geral da paisagem florestada da Serra Azul, próxima a Bom Jardim, em
Nobres
Acima
– Heliconia
cf. psittacorum (família Heliconiaceae) é uma das plantas herbáceas
mais numerosas do sub-bosque das florestas de Nobres
Abaixo: Buritizal (Mauritia
flexuosa – família Arecaceae) junto a uma lagoa de Nobres
Acima: Um grupo de
curicacas se prepara para mais um dia, nas pastagens de Bom Jardim, em Nobres.
A Seguir: O velho processo
de devastação das florestas de Nobres, que abriu a vegetação, deixa revelações
botânicas interessantes, tais como uma hemiepífita estrangulante (Ficus
sp. – família Moraceae), cujas raízes formam caprichoso revestimento, no
tronco de uma grande palmeira-babaçu (Attalea speciosa); e uma notável
massa de orquídeas Cyrtopodium saintlegerianum, também a meio tronco de uma
palmeira-macaúba (Acrocomia aculeata).
Acima
– Orlando Graeff examina um belo exemplar de Philodendron sp. (família
Araceae), na margem do rio Triste
Acima: O cerrado apresenta
poucas flores, na época chuvosa. Essa bignoniácea é uma das poucas que
encontramos em flores, próximo à represa do rio Manso.
Adiante: Aspectos do rio
Cuiabazinho, afluente direto do célebre Cuiabá. Suas águas estavam turvas pelos
sedimentos que seguiam na direção do Pantanal
Abaixo: Seção de imagem-satélite do Google Earth mostrando aspectos da região visitada - Notar a abrangência vasta do Arco de São Vicente
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