Quiabentia zehntnerii curiosa cactácea dos afloramentos de calcário
do Norte de Minas
A caminho da Chapada Diamantina, na Bahia, onde iríamos
procurar o habitat de orquídeas, atravessamos uma serrania de calcários,
situada próximo à localidade de Capitão Enéas,
na região de Montes Claros, norte de Minas Gerais. Havia anos que passava por
aquele conjunto de afloramentos rochosos, à margem da rodovia que leva a
Janaúba, atraindo-me a curiosidade de conferir-lhe a flora e a natureza de sua
vegetação. Sempre acompanhado de Maurício
Verboonen, esperávamos chegar à localidade de Ibicoara, na Bahia, tendo
muitas centenas de quilômetros à nossa frente. Porém, isso não nos aplacou a
curiosidade naturalista e tratamos de buscar uma via até o topo do ressequido
conjunto cárstico, que se eleva na paisagem, à forma de inselberg vestigial de antigos processos erosivos do rio São
Francisco.
O rio São Francisco, corre a cerca de 100km oeste do
local, enquanto a Cadeia do Espinhaço se eleva pouco mais perto, a leste – 30km.
Viajávamos pela margem direita do Velho Chico, que vem escavando seu vale há
milhões de anos, deixando para trás extensa planície arrasada, tendo restado
interessantes serranias-relíquia, de natureza calcária. Esses testemunhos
mergulharam, há muito, na semiaridez que se inicia no norte de Minas Gerais e
domina o longo sertão deprimido, daí até o Nordeste. É a faixa do Sertão da Caatinga, de que tratamos em
nosso livro Fitogeografia
do Brasil, Uma Atualização de Bases e Conceitos (NAU
Editora, 2015 – veja o link: FITOGEOGRAFIA DO BRASIL ).
À forma de stepping-stones,
esses rochedos calcários abrigam populações de plantas típicas do Sertão,
destaque para as cactáceas e algumas bromeliáceas do Semiárido. Mas, também
essências arbóreas da Caatinga habitam esses fragmentos e dão conta de períodos
de maior aridez pretérita. Seguindo ao norte, na direção e sentido da Bahia,
essa vegetação fragmentada vai se colmatando, para dar lugar à Caatinga, em
definitivo, naquele estado. A floresta-seca
ou floresta estacional decidual da
Jaíba, que outrora se estendia pelos vales de Janaúba a Montes Claros, há muito
desapareceu, mercê do desenvolvimento da agropecuária. Desse modo, ao se
visitar um fragmento cárstico, como esse de Capitão Enéas, tem-se a impressão
de que a vegetação catingueira dominava toda a paisagem, o que não é verdade.
Para conferir um pouco mais do que deve ter sido o cenário desta
paisagem contrastante de Capitão Enéas, poderá ser examinada a postagem que
conta sobre outra visita à região, em Itacarambi, no Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu, não muito
distante dali (ver - CAVERNAS DO PERUAÇU). Daquela feita, eu buscava dados de campo a respeito das
lendárias Matas do Jaíba e de suas notáveis barrigudas ou embarés (Cavanillesia
umbellata – família Malvaceae), de forma a figurar na referida obra de
Fitogeografia de 2015.
Veja adiante as imagens comentadas desta visita:
A seguir – Uma estradinha pedregosa e de difícil acesso nos levou
até a encosta da serrania calcária de Capitão Enéas, MG. Afloram calcários,
cujo efeito drenante na paisagem atrai flora catingueira, de índole semiárida
Acima – Os vales ao
fundo dão conta da existência de antigas florestas estacionais relacionadas à
Mata do Jaíba, que costumava ocupar solos férteis e topografias planas. Hoje,
nada mais comportam que pastagens e indústrias de moagem de calcário
Adiante – O exame
interno da vegetação não deixa dúvidas a respeito da índole catingueira da
flora. Desde suas árvores, até suas bromélias e cactáceas, tudo mostra padrões
de dispersão perfeitamente coerentes com a Caatinga
Acima – Uma das
árvores mais notáveis do lugar é representante das caatingas baianas e
pernambucanas, centenas de quilômetros acima – Commiphora leptophloeos
(fam. Burseraceae). A casca descamante é típica da planta
A seguir – O mandacaru
(Cereus
jamacaru – fam. Cactaceae) é espécie indicadora da Caatinga, com seus
longos cladódios, ocupando solo e até as rochas suspensas
Acima – Não encontramos
embarés nesta região, mas as paineiras-barrigudas estavam presentes (Ceiba
glaziovii – fam. Malvaceae), com seus troncos repletos de espinhos.
Notar a presença dos facheiros (Pilosocereus pachycladus – fam.
Cactaceae), em meio às demais cactáceas ao redor
Abaixo – Detalhe do
tronco de Ceiba glaziovii, tendo diminuta bromélia do gênero Tillandsia estrategicamente escondida
dentre seus espinhos aguçados
A seguir – Um lindo
exemplar de ipê-roxo (Handroanthus cf. eptaphyllus
– fam. Bignoniaceae) florescia ao lado da estradinha poeirenta, alegrando a
vista
A seguir – Cactáceas arbustivas
se espalham por todos os lados, sendo que esta espécie, inicialmente identificada como Opuntia
ficus-indica (o famoso figo-da-índia) era bastante importante. A partir da colaboração técnica do amigo Biólogo Pedro Nahoum e do especialista Marlon Machado, a identidade da planta foi esclarecida: Tacinga saxatilis
A seguir – A mais
curiosa cactácea dos afloramentos calcários de Capitão Enéas era Quiabentia
zehntnerii, que chega a confundir o olhar menos experimentado,
assemelhando-se às ora-pro-nóbis do gênero Pereskia, pelas estruturas foliares,
no ápice dos cladódios
Acima – As cactáceas
esféricas do gênero Melocactus são
comuns a partir deste setor da Caatinga, sendo conhecidas popularmente por
coroas-de-frade. Este exemplar, em fase reprodutiva, sugere ser Melocactus
zehntnerii, assinalado para a região, embora sua taxonomia seja muito
sutil. Abaixo – Melocactus cf. zehntnerii vegetando diretamente
sobre a rocha nua
A seguir –
Bromeliáceas espinescentes abundam sobre o solo ou sobre as superfícies de
rocha calcária, destaque para Encholirium spectabile, que é
espécie indicadora da Caatinga
Adiante – Macambiras (Neoglaziovia
variegata) são bromélias marcantes, formando densas populações e
florescendo lindamente. São plantas têxteis e já foram muito exploradas, no
passado, para a indústria de forrações. Suas folhas variegadas lembram
espadas-de-são-jorge, plantas domésticas de nossas cidades
Acima – Em meio à
caatinga de primavera, com folhas novas devidas às recentes chuvas, avistamos
um bando de saguis-de-tufo-preto (Callithrix penicillata), que buscava
alimentos e parou para nos observar
lindas fotos amigo abraço
ResponderExcluir