No dia 14 de setembro, depois de cruzarmos extensa região de
campos e florestas de araucárias, chegamos à Pousada Fazenda Montenegro, no município gaúcho de São José dos
Ausentes. Ficamos hospedados sob os cuidados da família Pereira, que brinda o
viajante com os mais bem conservados aspectos dos costumes gaúchos. Ali se
encontra a rusticidade e a simplicidade da vida nas fazendas dos campos de cima
da serra, com destaque para a culinária campeira organizada por Anápio Pereira, persistente defensor
das tradições dos galpões (WWW.fazendamontenegro.com.br).
Estávamos a poucos quilômetros do Pico do Monte Negro, ou
Montenegro, como deveria ser a grafia mais adequada. O pico é o ponto
culminante do Rio Grande do Sul, com mais de 1.400m de altitude, mas não
representa aquilo que o viajante poderia imaginar como tal. Trata-se de uma
elevação relativamente discreta, sobre as planuras dos campos de cima da serra,
representando um morro testemunho de milenares processos de degradação de
relevos basálticos da Serra Geral. Porém, seu aspecto mais marcante constitui
em estar situado em imediata justaposição às estonteantes escarpas do cânion
Montenegro, que ficou famoso, há alguns anos, quando se tornou cenário de uma
reconstituição perfeita de batalhas revolucionárias da série televisiva A Casa
das Sete Mulheres.
O cânion de Montenegro, que examinamos detalhadamente, na
manhã de 15 de setembro, é um admirável conjunto de paisagens relacionadas à
evolução dos relevos tabulares dos campos de cima da serra, formação de máximo
interesse para a Fitogeografia. Faz parte de uma cadeia de diversas outras escarpas
íngremes, com quase 1.000m de paredões basálticos, sob cujo sopé se estende a
planície marinha de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. São conhecidas como
Aparados da Serra, sendo formadas pela erosão de falhas profundas nessa que é a
maior formação de basaltos do Planeta: A Formação Serra Geral, que ocupa grande
parte da bacia do rio Paraná, até o Centro-Oeste.
Falar de campos sulinos, até mesmo de campos em geral, no
Brasil, sem estudar os campos de cima da serra, seria de fato uma grande
omissão. Já afirmamos que eles se relacionam intimamente com o domínio das
florestas mistas de araucárias (Araucaria angustifolia – família
Araucariaceae), que F. C. Hoehne chamou de Araucarilândia. De fato, o exame dos
campos limpos, que cercam penhascos vertiginosos, no cânion do Montenegro,
mostrou claramente suas relações mútuas – campos e florestas de araucária –
onde incríveis miniaturas dos imensos pinheiros-do-paraná são criadas pelo
estresse de solos muito rasos e dos ventos fortíssimos, que açoitam a paisagem,
por vezes fazendo a temperatura descer muito abaixo de zero grau.
Durante o restante do dia, pudemos percorrer diversos pontos
de grande interesse, na região de São José dos Ausentes, como resolvemos
mostrar nas fotografias adiante, de forma a não cansar os leitores do blog Expedição Fitogeográfica 2012:
Abaixo – O pico do Montenegro é uma elevação convexa, ao lado do
vertiginoso cânion do Montenegro, cujos paredões de basalto se projetam
abruptamente, na direção do litoral catarinense. Numa segunda imagem mais
aproximada, tentamos mostrar alguns visitantes avistados de longe, de forma a
tornar mais claras as dimensões dos penhascos.
Acima – Pequena serpente da família Colubridae, que foi
surpreendida, ao atravessar nosso caminho, em meio aos campos de cima da serra
– animal inofensivo.
Adiante – Orlando Graeff posa ao lado de uma floresta de altitude
dos aparados da serra, junto ao cânion Montenegro. Essas florestas subtropicais
são duramente fustigadas pelos ventos gelados, que sopram o ano inteiro, determinando
congelamentos, neve e estresse fisiológico.
As últimas fotos da
série acima mostram as delicadas orquídeas Hadrolaelia coccinea (=Sophronitis coccninea), que medram aos
milhares, nas florestas miniatura das bordas dos cânions, onde permanecem
protegidas pelos penhascos.
Abaixo – Riachos murmurantes se formam sobre os campos de cima da
serra, onde o lençol freático permanece constantemente suspenso, poucos
centímetros abaixo da relva. Ao encontrarem os penhascos, despencam em cascatas
inacessíveis de grande beleza, que vão se escalonando, encosta abaixo, como
mostra a imagem a seguir.
Adiante – Nas bordas dos penhascos, com quase mil metros de
paredões íngremes, medram lindas bromélias Aechmea recurvata, que exibiam suas
rosetas avermelhadas, juntamente com curiosas cactáceas do gênero Parodia
e orquídeas do gênero Maxillaria, que floresciam longe das
mãos dos eventuais coletores.
Adiante – Alguns aspectos da paisagem do cânion do Montenegro,
tendo a baixada catarinense e suas colinas litorâneas aos seus pés.
Acima – Os pinheiros-do-paraná ou araucárias (Araucaria angustifolia), usualmente
representando enormes árvores, surgem na forma de miniaturas, nas bordas do
cânion Montenegro, junto ao pico do mesmo nome.
Abaixo – A queima dos campos de cima da serra é assunto polêmico,
contrapondo estancieiros e conservacionistas, cada um apontando suas razões,
seja para realizá-la, seja para criticá-la. A matéria precisa ser vista com
extremo cuidado e fatoração conjunta econômico-social e científica.
Acima – O Cachoeirão do Rodrigues é um característico exemplo do
escalonamento das camadas de basalto da Formação Serra Geral: Patamares
formados a partir da gradual exposição dos diversos níveis da rocha.
Abaixo – Aspecto da queima dos campos de cima da serra, que é
induzida pelos estancieiros, a cada três anos, em média, com a finalidade de
renovar seus pastos. A dinâmica de manutenção desta paisagem se encontra
diretamente relacionada com o fogo.
A seguir – Aspecto da vida cotidiana das estâncias dos campos de
cima da serra, em São José dos Ausentes.
Adiante – Uma vista interna de fragmento de floresta subtropical,
que se entremeia às araucárias do planalto da Serra Geral; E um morrote
testemunho da longa história de escultura dos relevos tabuliformes da Serra
Geral, por detrás dum fragmento de floresta subtropical mista de araucárias.
Abaixo – Vista de uma estância típica dos campos de cima da serra,
no Rio Grande do Sul.
Abaixo – Estradinha cortando trecho de pinheirais quase puros.
Essas paisagens quase se extinguiram, no Século XX, por conta da exploração
descontrolada da madeira das araucárias.
A seguir – Imagens de outra formação vegetacional em franca
extinção: As florestas de xaxim (Dicksonia selowianna – família
Dicksoniaceae). Essas samambaias arborescentes também foram intensamente
exploradas para retirada do xaxim, para confecção de vasos para plantas
ornamentais. Hoje, assim como as araucárias, sua retirada está proibida por
lei.
Muito lindos estas fotos um abraço do irmão Marcos
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