Não poderia existir barreira similar à
Serra Geral, no tocante à história política do Brasil Meridional. Estendendo-se
por centenas de quilômetros, na forma de um quase intransponível paredão de
basalto, a Serra Geral serviu para realçar episódios importantes da história do
país, como foi o caso da célebre retirada de Anita Garibaldi, que escapou do
cerco imperial a Laguna, no litoral de Santa Catarina, dirigindo-se para o Rio
Grande do Sul, para se reunir às forças revolucionárias de Bento Gonçalves, na
primeira metade do Século XIX. Galgando a duras penas os penhascos instáveis da
Serra Geral, Anita chegou aos campos de cima da serra, após duras provações,
nas quais esteve perto de perder a vida, pelas trilhas que então só eram
conhecidas por alguns poucos tropeiros e índios.
Hoje em dia, já não se enfrentam
semelhantes agruras, para subir a linda Serra Geral, que é cortada por diversos
roteiros rodoviários bem transitáveis, tais como a estrada da Serra do Rio do
Rastro, que liga os municípios carvoeiros de Santa Catarina à região de São
Joaquim, no Planalto Catarinense. Como seria de se esperar, os soberbos
paredões da Serra Geral dividem duas regiões ecológicas notavelmente
contrastantes: A zona da Mata Atlântica Catarinense, onde nos encontrávamos,
junto ao litoral; E os campos de cima da serra e a Araucarilândia do Brasil Meridional. O termo Araucarilândia foi emprestado por nós de Frederico Carlos Hoehne, célebre naturalista da primeira metade do
Século XX, que a percorreu em suas expedições, entre São Paulo e Paraná. As
florestas mistas de araucárias (Araucaria angustifolia – família Araucariaceae) constituem formação
marcante nessa região, talvez muito mais do que os campos de cima da serra, que
eram nosso principal objetivo, nesta fase da Expedição
Fitogeográfica 2012.
Nosso objetivo seria percorrer grande parte
dos campos de cima da serra, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o que
faríamos após atingir o altiplano catarinense, através da Serra do Rio do
Rastro, já nossa velha conhecida, deixando para trás as colinas arredondadas da
zona da Floresta Atlântica Subtropical, aos cerca de 100m de altitude, no
máximo, para adentrar a Araucarilândia, em Bom Jardim da Serra (SC), por volta
dos 1.400m. Não se pode deixar de imaginar, ao ascender pela estrada íngreme e
cheia de curvas vertiginosas da Serra do Rio do Rastro, as aventuras vividas
por Anita Garibaldi, quase duzentos anos atrás. Os cenários são estonteantes e a
flora, nosso interesse maior, é bastante particular.
Quando não se encontram desnudos e
verticalmente inclinados, os paredões rochosos de basalto puro podem estar
revestidos por uma floresta em miniatura, composta por árvores enfezadas,
duramente fustigadas pelo vento cortante que assola a vertente. Porém, serão
suas plantas arbustivas e herbáceas os elementos mais atraentes ao naturalista:
Gesneriáceas, bromeliáceas, orquidáceas, aráceas e o mais curioso e
característico de seus elementos – A planta Gunnera manicata (família
Gunneraceae), com imensas folhas recortadas, que medra nas festas de pedras, em
meio às cascatas e fios d’água que jamais cessam.
A partir de Bom Jardim da Serra,
acompanhamos o trajeto dos campos e pinheirais, até atingir a região de São
José dos Ausentes, já no estado do Rio Grande do Sul, onde visitaríamos o
cânion de Montenegro e o pico do mesmo nome, que representa o ponto mais
elevado do estado. Mas, isso ficará para a próxima postagem. Confira algumas
imagens desta subida da Serra Geral:
Abaixo – Ainda na baixada
catarinense, surgem os admiráveis contrafortes da Serra Geral, gigantesca
muralha de basalto, sobre a qual se estendem os domínios dos campos de cima da
serra e da Araucarilândia do Brasil Meridional.
Acima – Os aparados da
Serra Geral são imensas escarpas originadas pela erosão, que caminha do oceano
para o Planalto Catarinense e Gaúcho. Neste trecho, encontram-se as camadas
mais espessas dos basaltos da Formação Serra Geral, a mais extensa extrusão de
lavas básicas do Planeta. As camadas podem suplantar os mil metros de
espessura, entre RS e SC, de frente para o mar.
Abaixo – Pontão rochoso
resultante da erosão diferencial, na meia encosta da Serra Geral.
A seguir – Miríades de
rachaduras e frestas nas rochas íngremes, além de depósitos de solos litólicos,
retidos na encosta, abrigam florestas em miniatura, na Serra Geral. Redes de
fios d’água escorrem do altiplano, favorecendo flora diversificada e delicada,
que se agarra às pedras.
A seguir – Delicadas
flores de asteráceas (=compostas) alegram as rochas, tirando partido da luz
solar que vem do leste pela manhã.
Abaixo – Gloxínias do
gênero Sinningia (família Gesneriaceae) abundam entre os musgos que
recobrem as rochas úmidas.
Acima – Centenas de fios
de água cristalina escorrem pelos paredões de basalto íngreme, favorecendo o
surgimento de flora diversificada e de grande interesse botânico, nas escarpas
da Serra Geral.
Abaixo – Vista geral da
Serra do Rio do Rastro, no caminho de São Joaquim, em Santa Catarina: A estrada
serpeante parece difícil e perigosa, mas não se compara aos tempos em que essa
subida nada mais era que uma trilha tropeira, cheia de sumidouros e riscos.
Adiante – Aspectos da
curiosa Gunnera manicata (família Gunneraceae), uma planta bastante
ornamental, que vegeta nas frestas úmidas dos basaltos da Serra Geral.
Abaixo – Paradoxo
fundamental, que estávamos ali para estudar: Sobre os planaltos horizontais da
Serra Geral, vegetam campos limpos; Enquanto as florestas lutam para se fixar
nas encostas íngremes, logo abaixo. A condição dos solos é soberana, para
explicar tão curiosa inversão, como pretendemos mostrar detalhadamente, em
nossa obra sobre a Fitogeografia do Brasil, em fase de conclusão.
A seguir – Os desafios do
transporte, nas encostas íngremes da Serra Geral.
Adiante – Aspectos pitorescos dos campos de cima da serra, nos quais adentramos, através de Bom Jardim, no rumo de São José dos Ausentes.
Acima – Polêmicos sistemas
de geração de energia eólica, sobre a paisagem dos campos de cima da serra.
Fica a pergunta: Com o crescimento contínuo da demanda, estaremos fadados a ter
nossas inteiras paisagens cobertas de estruturas como essa? Tomara que não!
Nenhum comentário:
Postar um comentário