Jamais tivera oportunidade de visitar o
altiplano do Parque
Nacional do Itatiaia, primeiro Parque Nacional de nossa história e
uma das mais exuberantes coleções de ecossistemas relacionados às grandes
altitudes, nos domínios da Floresta Atlântica. Seguindo para mais uma viagem ao
Centro-Oeste, em fevereiro de 2018, apontei minha navegação para este admirável
setor da Serra da Mantiqueira, sendo-me então possível visitar as formações
vegetacionais de araucárias, na vertente interiorana do maciço (ver postagem
anterior – Parque Estadual da Serra do
Papagaio - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2018/03/nova-passagem-pelas-florestas-de.html), um dia antes. Desta feita, subi a estradinha que parte da
rodovia BR354 (ligação entre a Dutra e o chamado Circuito das Águas, em MG), na
chamada Garganta
do Registro, percorrendo cerca de quinze quilômetros, em meio a
diversas fisionomias relacionáveis à floresta altimontana da Mantiqueira, até
chegar ao subdomínio dos campos de altitude, lendário laboratório dos maiores
botânicos do país.
Com absoluta certeza, minha insaciável
curiosidade me levará novamente ao Planalto do Itatiaia, que se eleva a cerca
de 2.600m acima do nível médio do mar, por conta de sua flora única e de seus
panoramas simplesmente estonteantes. Mesmo em face de visita tão breve, pude
examinar diversos aspectos da fitogeografia do Parque Nacional e terras
limítrofes. A seguir, você poderá conferir as mais ligeiras anotações sobre a
região, acompanhando as usuais fotografias de ambientes e plantas:
Desde
a linha de cumeada da Serra da Mantiqueira, que divide o Vale do Paraíba da
alta bacia do rio Grande/Paraná, a noroeste, na altura da Garganta do Registro
(1.600m), a estradinha do Parque Nacional ascende gradativamente, cortando
florestas de altitude, cuja flora é singular - ABAIXO
Acima – Em galhos e
troncos delgados, expostos à umidade constante e às correntes de ar frio, que
circulam entre as montanhas, medram delicadas orquídeas Cattleya coccinea (=Sophronitis coccinea), cujas flores
encarnadas já emprestaram lindos tons a famosos híbridos comerciais, desde o
Século XIX.
Abaixo – Detalhe das
flores de Cattleya coccinea, na floresta de altitude do Itatiaia
A seguir – As nuvens
orográficas – relacionadas às cadeias montanhosas – encostam de forma constante
na floresta de altitude, suprindo-as delicadamente de umidade, que beneficia
luxuriante vegetação. A flora é megadiversa e reserva surpresas a cada metro,
ao longo da estradinha do Parque Nacional
Acima
– Matacões de rocha granítica abundam em toda a cumeada da Mantiqueira,
revelando passado remoto frio e seco. Velhos fragmentos de diaclases monumentais
adentraram período atual úmido e mais quente, sendo completamente envolvidos
pela floresta densa e ensejando o surgimento de notáveis coleções de plantas
Acima
– Plantas adaptadas à vida nestas condições ajudam a formar os belos jardins
naturais, agarrando-se às rochas em decomposição, como esta Sinningia
gigantifolia (família Gesneriaceae)
A Seguir – Uma das plantas
de maior plasticidade de hábitos, nessas florestas de altitude, é a bromélia Vriesea
itatiaiae:
Acima
– Vriesea
itatiaiae no interior da floresta densa
Acima
– Vriesea
itatiaiae sobre velho tronco decadente, onde experimenta maiores taxas
de iluminação, assumindo bela tonalidade vinácea
Acima
e Abaixo - Vriesea itatiaiae vegetando em habitat rupícola, sobre
afloramento rochoso, acima dos 2.000m
Acima
– Vriesea
itatiaiae crescendo em populações adensadas, no ambiente tipicamente
saxícola – entre pedras, nos afloramentos acima dos campos de altitude, no
morro do Couto, cerca de 2.600m
Acima
– A bromélia Nidularium marigoi (epíteto que homenageou, ainda em vida, de
forma merecida, o fotógrafo-naturalista Luiz Claudio Marigo) é exclusiva do estrato
umbrófilo da floresta de altitude do Itatiaia
Abaixo – Campos úmidos
intercalam florestas e afloramentos de rocha, formando bacias formadoras importantes
da copiosa rede de corpos d’água, que vão ter ao Vale do rio Paraíba, muito
abaixo. A condição de saturação hídrica, como afirmamos em nosso livro – FITOGEOGRAFIA DO
BRASIL, UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015 –
ver postagem: http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html ) – ensejam vegetação campestre, em meio a domínios
fundamentalmente florestais
Abaixo – A estradinha do
Parque Nacional do Itatiaia, por vezes, permite avistar lindos panoramas,
embora o tempo andasse bem carregado, desta vez
Acima – Justaposição de
vegetações notáveis: florestas de altitude, lado a lado com extensos
afloramentos rochosos, que comportam flora singular e também variada, na qual a
intensa luminosidade faz surgir espécies heliófilas
Acima
– Fuchsia
regia (fam: Onagraceae) é espécie típica das matinhas hiperúmidas de
altitude do Parque Nacional do Itaiaia
A
Seguir – Os campos de altitude são mesmo a paisagem
mais marcante do Planalto do Itatiaia. A condição de solos muito rasos, algumas
vezes pejados de blocos de rocha fragmentada, sob variações térmicas e
higroscópicas fenomenais, origina vegetações essencialmente campestres. Sua
flora é bastante antiga e o grau de endemismo restrito é notável, abrigando
diversas espécies exclusivas.
Acima
– Paisagem típica do Planalto do Itatiaia, acima dos 2.600m, vendo-se o Pico
das Agulhas Negras ao fundo, ponto culminante do estado do Rio de Janeiro, com
2.790m
Acima
– As superfícies mais planas conseguem acumular alguma quantidade de solos
propriamente ditos, sendo ocupadas por mosaicos interessantíssimos de florestas
em miniatura, ou simplesmente campos de altitude, onde a flora revela a
natureza predominantemente saturada de umidade do substrato
Adiante
– Liquens abundam entre plantas adaptadas à condição de solos rasos e de
saturação hídrica contínua. Desde liquens laminares, que ocupam a superfície
dura das rochas, até espessas alfombras, com lindas formas, esse grupo de
plantas simbióticas primitivas funciona como pioneiro, na colonização desses
ambientes extremamente duros, no Planalto do Itatiaia
Acima
– Cortes na estradinha exibem muito bem a estrutura edáfica e as estratégias
das espécies de plantas que colonizam esses solos de natureza orgânica do
Planalto do Itatiaia
Acima
– O delicado bambuzinho Chusquea pinifolia (fam: Poaceae) é
uma das espécies mais importantes dos campos de altitude do Planalto do
Itatiaia
Acima
– Aspecto característico dos subdomínios de campos de altitude do Planalto do
Itatiaia, sendo possível notar a influência determinante da umidade nebular.
Atentar também para o mosaico formado por vegetação de campos sobre rochas e
afloramentos rochosos, coisa marcante nessa altiplano
A Seguir – A bromélia Fernseea
itatiaiae é restrita aos campos de altitude do Planalto do Itatiaia e
representa espécie bastante rara, em tempos atuais. Pode ser avistada, sem
dificuldade, ao longo das trilhas do Parque Nacional
Acima
– Fernseea
itatiaiae crescendo diretamente sobre a rocha, como rupícola
Abaixo
– Fernseea
itatiaiae vegetando de modo saxícola, entre rochas, ou nos depósitos de
material orgânico
Acima
– A delicada Fuchsia campos-portoi (fam: Onagraceae) é a espécie típica dos
campos de altitude do grupo
A Seguir – A predominância
de solos orgânicos saturados de umidade favorece espécies bromeliformes da
família Apiaceae (=Umbeliferae), como Eryngium glaziovianum, cujos capítulos
florais exibem coloração elegantemente violeta, que contrasta com a paisagem:
Acima
– Eryngium
glaziovianum pode vegetar nos paredões rochosos, entre outras espécies
heliófilas, tirando partido de filetes perenes de água, que umedecem essas
rochas
Acima
– Também relacionadas à saturação hídrica dos solos orgânicos dos campos de
altitude, surgem delicadas flores de Utricularia reniformis (fam:
Lentibulariaceae)
Acima
– Alstroemeria
radula – família Alstroemeriaceae
Acima
– Orquídea terrestre do gênero Habenaria
A
Seguir – A família Velloziaceae não é tão comum no Planalto do Itatiaia, quanto
sua representante do gênero Barbacenia
– Barbacenia
gounelleana, com lindas flores encarnadas, que chega a forrar grandes
superfícies de rocha, nos matacões e afloramentos
Acima
– O autor Orlando Graeff examinando um Blechnum brasiliense, no Planalto do
Itatiaia, foto obtida pelo guia Kawê Ribeiro
Acima
– A delicada flor de Gelasine coerulea (=Alophia
sellowiana – fam: Iridaceae)
Abaixo
– A verdadeira ocorrência do pinheiro-brasileiro, ou pinheiro-do-paraná, ou
mesmo araucária (Araucaria angustifolia
– fam: Araucariaceae) parece que ainda ficará envolta em certo mistério, na
Fitogeografia. Minha visita ao Parque Estadual da Serra do Papagaio, no dia
anterior a esta do Planalto do Itatiaia, ajudara a elucidar bastante seu
corredor, pelo anverso da Serra da Mantiqueira, vinda do Sul. Aqui em cima, na
borda interior do Maciço do Itatiaia, elas podem ser observadas, em meio à
floresta nativa, ocupando espaço intrigante, que talvez possa ser relacionado a
influências humanas pretéritas, embora demonstrem estar ali, há muito tempo
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