Antecedendo
a publicação de recente expedição à Serra da Mantiqueira – Planalto do Itatiaia
e região de Itamonte (Serra do Papagaio) –, em breve, resolvi publicar a história de minha passagem pela
região, em setembro de 2010, quando encontrei
preciosos fragmentos de florestas de araucária, entre Visconde de Mauá, no RJ, e
Alagoa, em MG. O texto e as imagens a seguir, devidamente revisados, foram extraídos
de publicação realizada no portal PLURIDOC, em outubro do mesmo ano, tendo sido
esta passagem fundamental para as interpretações de meu livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL,
UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015).
Christensonella pumila - orquídea das matas de araucária de Alagoa, MG
Relatos de Uma Passagem Pelas Florestas de
Altitude de Itatiaia – Rio de Janeiro
Outubro de 2010
Em
23 de setembro de 2010, na entrada da primavera de um ano extremadamente seco,
passei por Visconde de Mauá, na Serra da Mantiqueira, vindo de Penedo, no eixo
da Rodovia Presidente Dutra (Rio – São Paulo). Partira, neste mesmo dia, de Petrópolis
e meu destino final, nesta viagem, como em tantas outras vezes, seria o Mato
Grosso. A estiagem deste ano se estendera por demais e o inteiro país sofrera
com as queimadas e o ar seco, que causara grandes transtornos à população.
Minha subida, pela estradinha íngreme, que liga a Rodovia Dutra a Visconde de
Mauá foi realizada em meio a intenso calor, condição bastante incomum, nesta
região. A estrada se encontrava em plena obra de asfaltamento, trabalho
decididamente dificultado pela forte inclinação das encostas e agravado pelo
pó, que encobria trabalhadores e usuários, devido à seca.
(observação: Em Primavera do Leste, no Estado do Mato Grosso, destino
final desta viagem, as últimas chuvas haviam caído no dia 05 de abril deste ano
e, quando lá cheguei, no dia 27 de setembro, ainda persistia a forte estiagem,
encontrando-se a atmosfera tomada pela fumaça dos incêndios, que se alastravam
descontrolados, por todos os lados. A primeira chuva somente viria a cair por
volta do dia 01 de outubro, completando quase seis meses de completa estiagem.)
Ainda
existem consideráveis reservas de florestas de altitude, ao longo da estrada,
que se encontravam razoavelmente conservadas, na ocasião desta viagem. Mostram
características nítidas de florestas estacionais, a despeito de grande
quantidade de epífitas que carregam, nos seus galhos. Destacam-se as bromélias,
especialmente as Vriesea bituminosa e
plantas do grupo, assim como Aechmea
distichantha, que apresenta variedade bastante característica, parecendo se
tratar de A. distichantha var. distichantha. Os Asplenium sp. também marcam a paisagem epífita, sendo numerosos e
apresentando folhas de porte considerável.
Outro
elemento marcante das florestas altitudinais, na encosta voltada ao rio
Paraíba, são os palmiteiros (Euterpe
edulis – Família Arecaceae), que surgem em notáveis populações, parecendo
terem sido semeados artificialmente. A floresta é muito densa, semelhante
àquela que se vê na mesma seção de encostas da Serra da Mantiqueira, mais
adiante, na subida para Campos do Jordão, em São Paulo. Aqui, porém, parecem
mais conservadas do que lá.
A
virada da serra, mais perto de Mauá, representa notável divisor vegetacional,
acompanhando solos mais profundos e encostas mais suavemente inclinadas,
formando um reverso serrano. Nota-se a presença das araucárias (Araucaria angustifolia – Família
Araucariaceae), sugerindo já terem ocorrido, de forma natural, nos vales e
altas encostas interioranas do vale do rio Preto. Hoje, porém, parecem apenas
se manter na paisagem à custa da vontade humana. Também aqui, a floresta
estacional de altitude em muito se assemelha àquela dos vales internos de
Campos de Jordão. Porém, em Visconde de Mauá, ao contrário de Campos de Jordão,
os vales internos se mostram bastante alterados e as matas se concentram
predominantemente na calha dos rios. De modo diferente daquelas matas da
Mantiqueira Paulista, não se observavam os pinheirinhos (Podocarpus lambertii –
Família Podocarpaceae), que abundam em todas as florestas que circundam Campos
do Jordão.
(Observação: Visconde de
Mauá, no Estado do Rio de Janeiro, está situada na alta bacia do rio Preto, que
pertence, por sua vez, à bacia do rio Paraíba do Sul. Parecem existir profundas
diferenças ecológicas e, por conseguinte, vegetacionais, entre a bacia do
Paraíba do Sul e a do rio Grande, que possui nascentes pouco mais ao norte, nos
reversos serranos da Mantiqueira, para onde seguia esta viagem, chegando à alta
bacia do rio Aiuroca. Seguramente, a extensão pretérita das araucárias possuía
limites condicionados por esta barreira montanhosa.)
Paradas
realizadas, ao longo do vale do rio Preto, revelaram muitas bromélias, entre
aquelas já referidas e algumas outras Vriesea,
que pareciam ser do grupo de Vriesea ensiformis,
assim como de Vriesea interrogatoria, além de uma infinidade
de Tillandsia spp.: Tillandsia geminiflora, T. stricta, T.
tenuifolia e, aparentemente, muitas outras espécies. Orquídeas como Epidendrum densiflorum e Bifrenaria cf. inodora foram avistadas, sempre em meio aos Asplenium sp. e espessas camadas de briófitas, a cobrir os troncos
e galhos das árvores – Tudo isso muito ressecado, devido ao avançado da
estiagem e ao ar seco. Os xaxins também abundam, nas margens dos rios.
No
dia seguinte, partindo da localidade de Maringá, onde me hospedei, segui um
caminho pouco frequentado, rumando para a outra vertente da Serra da
Mantiqueira, voltada para o Sul de Minas Gerais. Pretendia cruzar a Serra o
mais próximo possível de sua área nuclear, que está situada no altiplano
interno das Agulhas Negras. Meu objetivo era a região de Aiuroca, próximo à
qual já passara, diversas vezes, na rodovia que liga Juiz de Fora a Caxambu.
Passando por diminutas localidades, tais como Mirantão e Santo Antônio, que
guardam aspecto bucólico, muito isoladas que são, encontrei uma rudimentar
estradinha, partindo dos arrabaldes da segunda cidadezinha citada. Tratava-se
de via extremamente precária, cortando encostas profundamente inclinadas, pela
qual fui obrigado a trafegar com extremo cuidado, em marcha totalmente
reduzida, mesmo seguindo num veículo 4 X 4, apropriado àquelas dificuldades.
Durante
toda a manhã, período que durou minha travessia serrana, nenhum veículo cruzou por
mim, em qualquer sentido, tampouco tendo eu avistado, naqueles altos
montanhosos, qualquer pessoa, a pé ou a cavalo. Para minha grata surpresa,
encontrei os mais conservados fragmentos de florestas de araucária que já
pudera avistar, em solo mineiro. Isoladas em vales escondidos e circundando
serenos córregos, de águas absolutamente cristalinas, estendiam-se
consideráveis florestas, perfeitas réplicas daquelas a que me habituara a
percorrer, na Serra Gaúcha, mais de mil e quinhentos quilômetros ao sul.
Araucárias altaneiras, algumas revestidas de Usnea e abrigando grande quantidade de bromélias, elevavam-se em
grupos numerosos, em meio à floresta estacional de altitude, que mostrava
aparente similaridade botânica com suas correlacionáveis meridionais.
O
aspecto subtropical parecia corresponder a similaridades florísticas, uma vez
que avistava grande quantidade de mirtáceas micrófilas, assim como de
anacardiáceas e lauráceas. Tudo isso demandaria, seguramente, exames cuidadosos
da verdadeira composição florística dessas matas de araucária que, de forma
diversa daquelas ocorrências meramente sugestivas, do vale do rio Preto, bem
abaixo, na região de Visconde de Mauá, mostravam inquestionável autenticidade.
Porém, mesmo sem contar com os meios e o tempo de proceder a investigações mais
detalhadas, encontrei indicadores inequívocos da ligação florística entre essas
florestas mistas de araucária e suas versões meridionais. Entre esses
indicadores, havia diversas bromélias e orquídeas relacionadas: Vriesea friburgensis não se mostrava
muito numerosa, mas estava presente, com sua forma vinácea; Tillandsia tenuifolia e T. cf. aeranthos vegetavam com o mesmo vigor de suas parentes gaúchas e
paranaenses; Pleurothallis sonderana
abundava sobre os galhos retorcidos e revestidos de musgos, na margem dos
riachos murmurantes.
O
pinheirinho Podocarpus lambertii
estava ali presente, ocupando seu lugar característico, no estrato arbóreo
médio e sub-bosque, dos locais mais densos e conservados. Revestiam-se de
bromélias, tais como Aechmea distichantha,
Nidularium sp. e Vriesea cf. sceptrum, que
ocupava o lugar de Vriesea reitzii, do RS e PR. A delicada Billbergia distachia (Bromeliaceae) abundava, sendo também comum às matas do rio
Preto, mais abaixo. A orquídea Christensonella pumila
em densas populações, juntava-se a espécies de Pleurothallis, recobrindo praticamente todas as superfícies
disponíveis de troncos grossos e retorcidos da floresta densa. Também se viam
aráceas diversas e bastante musgo, encontrando-se todo esse conjunto
severamente afetado pela seca prolongada.
Um
aspecto curioso cercava a ocorrência também característica das samambaias-xaxim
(Dicksonia sellowiana – Família Dicksoniaceae), nas margens dos córregos
cristalinos, relacionando-se à já referida severidade da seca de 2010. Ocorria
que a grande maioria dos exemplares da samambaia, mesmo tendo seus pés sobre as
margens perenemente úmidas dos regatos, junto a numerosos Blechnum sp. (Família Blechnaceae), mostrava suas frondes
completamente queimadas, chegando mesmo a sugerir sua morte iminente. A
despeito da evolução eventualmente maligna deste quadro, que eu talvez não
venha a ter oportunidade de constatar, uma coisa parecia bastante evidente: O
frio, que andara por ali, recentemente, seguido da prolongada estiagem, parecia
ter representado fato climático inegavelmente excepcional, neste ano. Assim,
mesmo tendo garantido seu suprimento de água no solo, os samambaiuçús não
haviam resistido ao calor, seguindo-se ao frio intenso, e à secura do ar que sobreviera,
com altos índices de irradiação ultra-violeta, aos quais não estavam adaptadas.
No
interior da floresta, os exemplares de Dicksonia
sellowiana observados, mesmo vegetando sobre solo seco, longe dos rios, não
se mostravam igualmente torrados, apesar de se mostrarem com aspecto triste.
Sobre o solo dessas florestas, surgiam densas populações de bromélias Nidularium sp., juntamente com
exemplares de Anthurium sp. (Família
Araceae) e numerosos arbustos da família Rubiaceae. Pouco adiante, avançando
pela exígua estradinha, comecei a perceber outro aspecto de similaridade com as
paisagens típicas da Araucarilândia: eram os campos de altitude, aqui bastante
alterados e quase confundidos com pastagens abertas artificialmente.
Encontravam-se marcados por longa história de exploração pecuária, mas não
haviam perdido seus elementos característicos, tais como as diminutas
melastomatáceas campestres, que podiam se avistadas, pontuando o domínio
irreversível das pastagens.
O
corte recente da estrada, realizado por máquinas, exibia também o perfil típico
dos solos campestres, com a camada humosa bem definida, de coloração negra, no
horizonte mais superficial. Sabe-se que a floresta de araucária costuma ocorrer
em mosaicos complexos, juntamente com os campos de altitude, desde o Sudeste,
até a Região Sul, onde encontram sua expressão mais notável, nos campos de cima
da serra, no Rio Grande do Sul. Os pinheirais avançam sobre os campos,
realizando a tarefa pioneira de substituí-los, ao longo do tempo, pelas
florestas densas. Ali, no altiplano sul-mineiro, eu observava os indícios, já
bastante alterados pelo homem, deste processo fitogeográfico.
Cruzei
ainda nova linha divisória de relevo, que confina esse domínio tropical de
altitude, perdido no coração da Mantiqueira, passando a descer, de modo bastante
abrupto, na direção da localidade de Alagoa, no vale do rio Aiuroca. A partir
desta vertente, ela também mostrando características de reverso interiorano de
serra, com solos mais profundos e evoluídos, a paisagem botânica passou a se
mostrar definitivamente marcada por elementos da floresta estacional
sul-mineira. Praticamente desapareceram de vista as araucárias, que somente
ocorriam de forma artificial, junto a cercas e áreas rurais. As epífitas se
reduziam a poucas populações de bromélias, no fundo das grotas mais abrigadas,
decrescendo notavelmente sua diversidade. Deixei definitivamente o domínio das
florestas tropicais de altitude, com seus pinheirais e suas epífitas, passando
por Alagoa e Aiuroca e ganhando a Rodovia BR267, que liga Juiz de Fora a
Caxambu, pela qual já passara diversas vezes, seguindo minha longa viagem ao
Centro-Oeste.
Aspecto da floresta mista de araucárias, entre Itatiaia e Alagoa, na
Serra da Mantiqueira
Bromélias Vriesea
sceptrum são características das florestas de altitude da Serra da
Mantiqueira, entre Minas Gerais e Rio de Janeiro
Samambaiuçus da espécie Dicksonia sellowiana – de pé, na margem esquerda do riacho - se
mostravam severamente afetadas pela seca de 2010, que se sucedera ao intenso
frio do inverno
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