No dia 16 de dezembro, após longo percurso
acompanhando a linha de costa do Brasil Sul (ver postagens anteriores), desde a
Serra do Mar, entre São Paulo e Rio de Janeiro, deixamos para trás as florestas
tropicais litorâneas, em sua transição para os domínios subtropicais. Embicamos
para os majestosos aparados da Serra Geral, que acompanham de longe a costa
catarinense, tendo como objetivo subi-los pela lendária Serra do Corvo Branco,
que tem acesso pela localidade de Grão Pará.
A Serra do Corvo branco seria minha quinta transeção
desses aparados da Serra Geral, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul. As
dificuldades para sua ascensão são largamente decantadas, atribuindo-lhe
perigos inimagináveis, que de todo não pudemos contestar, pois que realmente se
trata de um desafio pouco aconselhável àqueles que não tolerem alturas ou que
não disponham de veículo apropriado, preferencialmente um 4 X 4.
A Serra Geral é o afloramento do mais
extenso derrame basáltico do Planeta, tendo ocorrido pouco antes do início da
separação entre a África e a América, mais de uma centena de milhões de anos
atrás. Essa história é referida no livro Fitogeografia do Brasil
(NAU Editora, 2015), de minha autoria, onde mostramos a distribuição histórica
de diversas vegetações do Brasil, inclusive estas dos domínios subtropicais,
que ora adentrávamos, através da Serra do Corvo Branco.
Ali, nessa estrada desafiadora, podem ser
claramente percebidas as camadas sedimentares de arenito (mais antigas),
comprimidas sob o espesso manto efusivo do basalto, que se sobrepõe à primeira
e dá origem, lá no seu topo, a um dos conjuntos mais incríveis de paisagens
botânicas do Brasil: os campos de cima da serra e a Araucarilândia, ou domínio
dos pinheiros-brasileiros, para onde nos dirigíamos.
Aprecie conosco a subida da Serra do Corvo
Branco:
Abaixo – A Serra do Corvo
Branco é uma estradinha desafiadora. Com pouco mais de quatro quilômetros, no
trecho da travessia dos aparados da Serra Geral, ela descortina amplas
paisagens, mas requer determinação e certa habilidade, para ser transposta,
entre paredões e caracóis de curvas fechadas
A Seguir – A Serra Geral é
acompanhada, em sua base, desde Santa Catarina até o Rio Grande do Sul, por um
tipo de floresta muito singular, que mistura elementos tropicais e subtropicais
e compõe flora característica. Infelizmente, poucos trechos destas matas ainda
se conservam intactos, sendo o sopé da Serra do Corvo Branco marcado pelo
embate entre elas e o homem
Acima
– Plantios de pinheiro-americano avançam sobre a Serra Geral, por cima e por baixo.
Nos campos de cima da serra, ocupam pradarias e as condenam à extinção. No sopé
da Serra do Corvo Branco, empurram a floresta de transição subtropical aos
limites das fraldas dos paredões
Acima
– A linda orquídea Coppensia flexuosa (= Oncidium
flexuosum), muito conhecida em cultivo como chuva-de-ouro ou bailarina, é
bastante numerosa nessas florestas que acompanham a Serra Geral. Podem ser
observadas em flores, nesta época do ano (primavera e verão), desde os galhos
das árvores silvestres, até nos jardins das residências, como esta, à margem da
estradinha de Grão Pará à Serra do Corvo Branco
Abaixo – Antigas árvores,
deixadas para trás pela devastação das florestas da baixada de Santa Catarina,
exibem testemunhos de sua riquíssima flora epifítica. Bromélias como Vriesea
flammea abundam nesses refúgios – Abaixo a seguir (detalhe)
A Seguir – Alguns aspectos
da subida entre os paredões íngremes da Serra do Corvo Branco
Acima
– Lascas e blocos de pedra, principalmente de arenito, que é menos coeso que o
basalto, despencam sobre o leito precário da estradinha e constituem ameaça
séria aos motoristas
Acima
– Um automóvel pequeno, que passou por nós, seguindo para Grão Pará, atravessa
uma das mais perigosas passagens da Serra do Corvo Branco: acima dele, imenso
bloco de arenito espera a oportunidade de desabar sobre a estrada; enquanto o
abismo se esconde na macega, encosta abaixo; profundas fendas e blocos
desmoronados obrigaram o motorista a saltar e afastar alguns deles e permitir a
sua passagem. Abaixo – Vista geral do temível trecho
Acima
– Vista de trecho bem elevado da Serra do Corvo Branco, sendo especialmente
visível a população das belas plantas de Gunnera manicata (família
Gunneraceae), com suas imensas folhas lobadas
Adiante
– Aspectos da flora dos paredões de pedra da Serra do Corvo Branco
Acima
– Populações de bromélias que se agarram à rocha íngreme. Em sua maioria, são
plantas que se adaptaram ao habitat, mas ocorrem também nas florestas de
altitude, logo acima das escarpas: Vriesea platynema (inflorescências
arqueadas) e Vriesea reitzii (inflorescências eretas, com escapo encarnado e
brácteas amarelo-ouro) e Aechmea caudata. Orquídeas também
abundam e se agarram diretamente à rocha.
Abaixo – Vriesea
reitzii se adapta curiosamente ao habitat crítico da rocha, assumindo
forma endurecida e exibindo escapos florais curtos, fazendo crer se tratar de
espécie distinta
Abaixo – Dyckia
cf. reitzii
é uma bromeliácea de rosetas densamente espinhentas e perfeitamente adaptada ao
habitat rupícola (sobre rochas), sendo elemento característico e exclusivo da
longa série de afloramentos de basalto, entre Santa Catarina e Rio Grande do
Sul. Especialistas lhe atribuem variações genéticas complexas, ao longo desse
extenso habitat, o que mostra um pouco da história natural dos aparados da
Serra Geral
O
nome Serra do Corvo Branco parece
ter se originado da interpretação equivocada de alguns urubus-rei (que são aves
raras e brancas), que habitariam o local. Não observamos a linda ave, que
parece ter se retirado para longe. Mas, flagramos um urubu-caçador, que
nidificava no topo de uma soberba coluna de basalto – Abaixo
Abaixo – Para viabilizar a
travessia final do Planalto da Serra Geral, os engenheiros se obrigaram a
executar-lhe um magnífico corte, com cerca de 90m de altura, em seu trecho
final
Acima – A floresta
subtropical e as matas de araucária se entremeiam na crista do planalto e
seriam nosso próximo objetivo, em Urubici, no alto Vale do rio Canoas, na Serra
Catarinense
Agora que descobri seu blog, serei um seguidor fiel. Adoro estas expedições em meio à paisagem natural. Me faz lembrar daquelas expedições que os europeus aqui fizeram desde o descobrimento e que os deixavam maravilhados. Acho importante que alguém faça o registro do que ainda existe, para conscientizar as pessoas da importância de se preservar esta riqueza natural. Abraços e boa sorte. Alexandre Petronilho dos Santos
ResponderExcluirObrigado, Alexandre. Esse é mesmo o espírito do blog, você pegou muito bem. Essa viagem continua, serra acima, e ainda haverá outras, assim como ainda temos diversas outras, das mais antigas, sendo resgatadas para o blog.
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