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quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

EXPEDIÇÃO À CHAPADA DIAMANTINA E A ORQUÍDEA CATTLEYA SINCORANA – OUTUBRO DE 2018




Cattleya sincorana  em seu habitat, na Chapada Diamantina


Entre o final de outubro e início de novembro de 2018, chegávamos novamente à Chapada Diamantina, dez anos após nossa passagem anterior, mas com um objetivo em comum com a expedição anterior: encontrar em flores a raríssima orquídea Cattleya sincorana (= Laelia sincorana = Hadrolaleia sincorana), cujo florescimento não havíamos logrado testemunhar na expedição de 2008 (veja - Expedição Chapada Diamantina 2008). É claro que todos os demais aspectos da natureza deslumbrante da região não seriam desconsiderados, pelo contrário, viriam a representar notáveis resultados em nossa contínua pesquisa fitogeográfica. Porém, não restava dúvida – encontrar Cattleya sincorana em flores seria o verdadeiro apogeu de tamanho esforço, que se iniciara com minha vinda do Mato Grosso, onde estava, para encontrar meu companheiro de viagens naturalistas Maurício Verboonen, vindo ele do Rio de Janeiro, especialmente para este fim.

Tendo nos encontrado em Brasília (DF), dias antes, havíamos percorrido a importante interface entre os domínios do Cerrado, Floresta Atlântica e Caatinga, que se estende de forma complexa, ao longo do médio rio São Francisco, nos dias anteriores (ver postagem anterior - Paisagem de Calcários ). Sediados então na pequena cidade baiana de Ibicoara, já na Chapada Diamantina, percorreríamos diversas áreas de campos rupestres, em busca de suas plantas e de suas paisagens botânicas – destaque para a orquídea Cattleya sincorana, tão ameaçada de extinção, nos dias de hoje.

Para isso, contávamos com as valiosas indicações do amigo e especialista em orquídeas brasileiras Francisco Miranda que, dos USA, onde hoje reside, nos orientava sobre o posicionamento geográfico das reduzidas populações de Cattleya sincorana, que havia estudado minuciosamente, muitos anos antes.

A Serra do Sincorá é setor de imensa importância, na grande Cadeia do Espinhaço, que se estende de Minas Gerais à Bahia e que abriga diversos hotspots de diversidade botânica. O segmento do Espinhaço caracterizado como Chapada Diamantina é uma autêntica zona de choque evolutivo, caracterizada pelo progressivo desnudamento de um velho arco de soerguimento de mais de 500 milhões de anos. Inumada pelos sedimentos da Formação Barreiras, durante o Terciário, esta longa sutura geológica se viu progressivamente erodida, ao longo de mais alguns milhões de anos, que fizeram “colidir” estoques florísticos atlânticos com aqueles outros continentais e áridos, do hinterland brasileiro. Resultado: índices imensuráveis de diversidade biológica, expressos numa flora inigualavelmente variada e bela.

Veja adiante, com as usuais imagens comentadas, os aspectos desta visita à Chapada Diamantina:

A seguir – Nosso primeiro dia foi integralmente dedicado a encontrar as raras orquídeas Cattleya sincorana, que habitam faixa altitudinal da ordem de 1.000 – 1.400m. Para isso, tivemos que subir até o cume das áreas planálticas da região, apoiando-nos nos apontamentos de Francisco Miranda, que ali estivera, anos antes, estudando essas preciosas plantas



Acima – A base das chapadas é hoje quase integralmente cercada por lavouras primitivas, conduzidas sem qualquer cuidado com a erosão ou a propagação do fogo. O café é cultura que vem se difundindo com prioridade


Acima – Durante a ascensão ao topo da chapada, podem ser avistadas vastas áreas aculturadas, ao longo dos vales. Nada resta da paisagem original dessas depressões, que foram palco de garimpos e suas atividades de apoio, desde o Brasil Colônia


Acima – O ruidoso aracuã-de-barriga-branca (Ortalis araucuan) é ave comum, nessas áreas periféricas, sendo aparentado com os jacus, porém, consideravelmente menores

A seguir – O topo das chapadas não é de forma alguma monótono, seja por sua topografia, que compreende vales subordinados e falésias íngremes, seja por sua flora deslumbrante



Acima – Os extensos afloramentos da Chapada Diamantina são palco de complexos processos erosivos, que continuam trabalhando suas feições e originando novas paisagens, em diversas escalas. Desde imensas mesas (tepuis), a matacões aplainados, que sustentam flórulas variadas, essas chapadas formam cenário de tirar o fôlego, onde quer que se caminhe

Adiante – Observe as velhas rochas residuais, deixadas tal qual esculturas pelo longo processo de erosão diferencial ocorrido nos últimos milênios. O quartzito é o material predominante e sua dureza cria verdadeiras “obras de arte”, elaboradas pela natureza paciente, por sobre pedestais ciclópicos e calcinados





A seguir – O fogo tem sido agente destruidor de superlativa expressão, em todo o país, coisa que ganha contornos trágicos na Chapada Diamantina, cuja flora é de natureza extremamente vulnerável. O verdadeiro papel do fogo na evolução das paisagens do país, quiçá da América Meridional, é ainda bastante controverso e não temos escondido nossa discordância com sua naturalidade anterior ao homem. Nossa busca pela orquídea Cattleya sincorana, tanto quanto nossa contemplação e investigação do restante da flora baiana, teve como assunto principal o resultado catastrófico de incêndios ocorridos ao menos dois anos antes de nossa chegada.




Acima e adiante – A notável velosiácea Vellozia sincorana, de porte arborescente e largos caules espessados pelas bainhas de velhas folhas, é o suporte (forófito) absolutamente prioritário e exclusivo da linda orquídea que buscávamos. Ocorre que essas belas plantas esculturais vêm sendo gradual e radicalmente aniquiladas pelo fogo, que se repete com períodos de recorrência cada vez menores, atingindo também mortalmente a resiliência das populações da orquídea



Acima – Velho esqueleto calcinado de Vellozia sincorana, sustentando bromeliáceas do gênero Vriesea, que se instalam oportunisticamente sobre o antigo forófito que abrigava Cattleya sincorana


Acima – Orquídea Cattleya sincorana esquecida pelos coletores, ainda vegetando sobre o galho de uma Vellozia sincorana há muito aniquilada pelo fogo



Acima – Sinais explícitos da coleta de orquídeas Cattleya sincorana, representados por abundantes galhos de Vellozia sincorana cortados a facão. A coleta extrativista das orquídeas, que são ainda hoje vendidas em feiras regionais, ou simplesmente levadas por traficantes de plantas aos orquidários do Sudeste, representa a outra força destruidora da espécie, que já vem sendo levada ao limiar da extinção. Associa-se a isso a tradicional utilização dos galhos da velosiácea como tição acendedor de fogões e lamparinas, em toda a região


A seguir – Encostas acentuadamente inclinadas e formadas por miríades de matacões de quartzito são pátria de vastas populações de Vellozia sincorana, que se associa a algumas poucas outras plantas do gênero. Faceando os vales profundos e retendo farta umidade atmosférica, já foram abrigo de numerosas orquídeas Cattleya sincorana, que foram minguando gradualmente, mercê da intensa coleta extrativista e da intensificação dos incêndios, que ascendem esses planos inclinados com a fúria redobrada por ventos intensos. O resultado tem sido o recuo das velosiáceas e o declínio das orquídeas



Adiante – A busca incansável pelas plantas não foi em vão, desta vez. Conseguimos afinal encontrar algumas delas, não sem extremo esforço, para subir até a faixa acima dos 1.400m, onde resistiam algumas poucas plantas, que se mostravam floridas.


Acima e abaixo – As delicadas orquídeas Cattleya sincorana se refugiam sobre as partes menos atingidas pelo fogo das velosiáceas, onde algumas pouquíssimas plantas exibiam flores vistosas


Abaixo e a seguir – Outras plantas vegetam de forma rupícola (litofítica), diretamente sobre o quartzito, porém, em superfícies planas, onde sua ocorrência sugere ser oportunista/alternativa





Acima – A presença humana se torna evidente, na observação desta imagem, que nos faz lembrar que os coletores extrativistas podem vir de todos os lados; e as chamas destruidoras dos incêndios podem se iniciar em qualquer parte da Chapada, como pode ser visto ao fundo, onde se percebem sinais recentes de fogo



Acima – Cattleya sincorana e a forma como ocorre, nos caules espessos de Vellozia sincorana, na Chapada Diamantina – Abaixo – Detalhe da mesma planta




Acima – Cattleya sincorana (detalhe de flores)


Acima – Mesmo em locais menos evidente, Cattleya sincorana poderá assumir hábito litofítico


Acima – Flor de Cattleya sincorana em plena antese

Adiante – Na faixa altitudinal de 1.000 a 1.400m, vegetando no mesmo ambiente que Vellozia sincorana e sua já rara companhia Cattleya sincorana, surgem diversas outras plantas notáveis da Chapada Diamantina, que comporta muitas ocorrências exclusivas


Acima – Angelonia verticillata (família Plantaginaceae)



Anteriores – Begonia grisea (família Begoniaceae)


Acima – A vistosa orquídea Cyrtopodium flavum florescendo junto aos cladódios prateados da cactácea Micranthocereus purpureus, que é planta característica da região visitada



Anteriores – A pequena bromélia vinácea Neoregelia baiana, cuja ocorrência abarca boa parte da Cadeia do Espinhaço



Anteriores – Sincoraea albopicta (= Orthophytum albopictum – família Bromeliaceae), a maneira que ocorre na Chapada Diamantina e em detalhe, ao início do florescimento)


Acima – Vistosa trepadeira da família Fabaceae, bastante comum na área do estudo


Acima – Gomesa blanchetii, uma orquídea que pode ser encontrada em quase todas as zonas de altitude do Planalto Atlântico, desde o Sudeste ao Nordeste



Anteriores – As bromélias do gênero Hohenbergia apresentam taxonomia complexa, havendo diversas espécies representadas na Chapada Diamantina, muitas delas afins umas das outras. Nas fotos anteriores, Hohenbergia cf. utriculosa


Acima – Palicourea marcgravii (família Rubiaceae)



Acima – Luxemburgia diciliata (família Ochnaceae)


Acima – Mandevilla bahiensis (família Apocynaceae)


Acima – Schultesia bahiensis (família Gentianaceae)


Acima e abaixo – Vriesea chapadensis é espécie característica de bromélia dos altiplanos da Chapada Diamantina, vegetando das mais variadas formas e representando importante micro-habitat para anfíbios e insetos, que subsistem da água guardada no seu tanque, em meio ao ambiente seco dos altiplanos. Notar sua resistência aos incêndios repetidos, que favorecem relativamente a planta



Acima – O diminuto anfíbio Rhinela granulosa, uma das espécies que habita as bromélias do altiplano e apresenta fascinante mimetismo


Acima – O autor Orlando Graeff, no instante em que retornava da faixa altitudinal dos 1.400m, flagrado por Maurício Verboonen, ainda em estado sofrível, após sua passagem pelas velosiáceas semicarbonizadas daquelas vertentes

A seguir – No segundo dia de atividades em Ibicoara, fomos conduzidos pelo guia profissional Marcone Domingues à região do Parque Municipal do rio Espraiado, numa faixa altitudinal próxima dos 550m. A excursão se mostrou esplêndida, seja para se conhecer uma série de belas paisagens ribeirinhas da Chapada Diamantina, destaque para a magnífica Cachoeira do Buracão – atração importante da região – seja para a contemplação da flora, que é tão diversificada como aquela que visitáramos, na faixa acima dos 1.100m, na véspera, embora composta por muitas outras espécies diferentes daquelas.


Acima – Cachoeira das Orquídeas, um dos mais belos saltos do rio Espraiado
(Veja vídeo ao final da postagem)


Acima – A região do rio Espraiado se caracteriza pelo afloramento de camadas de arenitos e quartzitos, evidenciando pretéritos embates entre rochas metamorfizadas e encaixantes. Os arenitos, bem mais friáveis e macios, se decompõem mais rapidamente e resultam areias avermelhadas e miríades de fragmentos esfarelados. O resultado paisagístico é simplesmente espetacular


Acima – Erosão diferencial, pela qual a água de antigos rios degradou de formas diferenciadas diversas camadas de rochas de diferentes durezas, resulta esculturas geomorfológicas de notável beleza, sobre as quais se assenta flora variada. Na foto, velosiáceas, bromeliáceas e cactáceas dividem espaço sobre amplas lajes de pedra, no rio Espraiado


Acima – Imiscuindo-se entre falhas e fraturas da rocha, a água escavou grotas profundas, que propiciam belos cenários, no rio Espraiado


Acima – Numa linha de fratura de alívio de pressão do quartzito, surgem lindas bromélias Sincoraea albopicta, com suas rosetas de coloração encarnada


Acima – Orlando Graeff posa junto ao guia Marcone Domingues, um grande conhecedor da geografia e da natureza regional
Abaixo – Maurício Verboonen descansa alguns minutos, ao lado de Marcone, na beira de uma furna, tendo a seu lado plantas de Vellozia cf, dasypus, entre as quais vegetam pequenas bromélias Vriesea lancifolia



Acima – Bromélias litofíticas Vriesea lancifolia, tendo como companhia um pequeno lagarto Tropiduris semitaeniatus, que descansa sobre uma ponta de pedra que lembra uma cabeça de camelo sonolento


Adiante – Os amplos lajedos de rocha, que circundam o córrego, lhe emprestaram o nome alusivo à paisagem: rio Espraiado, bastante propício ao banho, que é efetivamente uma de suas grandes atrações



Acima e abaixo – O solo raso e arenoso abriga numerosa população de pequenas velosiáceas, entre arvoretas que fazem remeter às vegetações de restingas litorâneas, com as quais são realmente bastante semelhantes fitofisionomicamente



Acima – A interface entre o espraiado e a vegetação arborescente, acima, é marcada por interessantes jardins naturais, onde Sincoraea albopicta (família Bromeliaceae) cresce ao seu modo usual – nas anfractuosidades rochosas


Acima – Caminho sobre lajeiro de quartzito, onde vegetava densa população da cactácea Micranthocereus purpureus


Acima – Mais uma bela formação de quartzitos-arenitos do rio Espraiado, circundado por velosiáceas e cactáceas: obra de arte espontânea da natureza


Acima – A orquídea Encyclia alboxanthina é planta bastante importante na flora regional e chega a formar amplas populações, sob arvoretas tênues. Abaixo – As flores de Encyclia alboxanthina fotografadas na pousada em que estivemos



Acima – Anthurium affine é planta representativa da flora do Brasil Central e ocorre de forma numerosa, no córrego Espraiado. Na foto, ao lado de Anthurium petrophilum, bem menor que ela (família Araceae)


A seguir – Outra arácea extremamente importante na região é a escultural Philodendron saxicola, que ocorre em variada gama de substratos, tendo as rochas nuas como ambiente principal



Acima – Philodendron saxicola ocorrendo junto com a orquídea Cyrtopodium flavum


Acima – Philodendron saxicola


Adiante – Outra preciosidade ornamental do rio Espraiado é a fabácea Calliandra hygrophila, arbusto denso com lindas flores encarnadas, que vegeta às margens do rio, sobre solos rasos e arenosos






Acima e abaixo – A orquídea Epidendrum orchidiflorum




Acima – Macairea radula (família Melastomataceae)



Acima e abaixo – Micranthocereus purpureus (família Cactaceae) em detalhes



Acima – O autor ao lado de um soberbo exemplar da orquídea Cattleya elongata, também ela espécie extremamente importante da Chapada, embora sem flores nesta época do ano


A seguir – As cachoeiras do Buracão e do Recanto Verde representam o ponto mais importante da excursão pelo Parque do rio Espraiado.




Acima e anteriores – Na descida às cachoeiras, paredões de pedra repletos da bromélia Tillandsia chapeuensis


Acima – A delicada Cachoeira do Recanto Verde surge diretamente, do meio da parede rochosa, para desaparecer magicamente no solo, em meio a rochas roladas


Acima – O cânion estreito, através do qual se tem acesso à deslumbrante Cachoeira do Buracão


Acima – Cachoeira do Buracão

Abaixo – Nosso carro avistado do alto de uma montanha: paisagens solitárias da Chapada Diamantina



Vídeo – A Cachoeira das Orquídeas, no rio Espraiado https://www.youtube.com/watch?v=s08eX6OX1gs

Vídeo – Depoimento de Orlando Graeff sobre a situação conservacionista da orquídea Cattleya sincorana https://www.youtube.com/watch?v=83n8RhKLo_w