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quinta-feira, 1 de março de 2018

RELATOS DE UMA PASSAGEM PELAS FLORESTAS DE ALTITUDE DE ITATIAIA – RIO DE JANEIRO – SETEMBRO DE 2010


Antecedendo a publicação de recente expedição à Serra da Mantiqueira – Planalto do Itatiaia e região de Itamonte (Serra do Papagaio) –, em breve,  resolvi publicar a história de minha passagem pela região, em setembro de 2010, quando encontrei preciosos fragmentos de florestas de araucária, entre Visconde de Mauá, no RJ, e Alagoa, em MG. O texto e as imagens a seguir, devidamente revisados, foram extraídos de publicação realizada no portal PLURIDOC, em outubro do mesmo ano, tendo sido esta passagem fundamental para as interpretações de meu livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL, UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015).


Christensonella pumila - orquídea das matas de araucária de Alagoa, MG

Relatos de Uma Passagem Pelas Florestas de Altitude de Itatiaia – Rio de Janeiro
Outubro de 2010

Em 23 de setembro de 2010, na entrada da primavera de um ano extremadamente seco, passei por Visconde de Mauá, na Serra da Mantiqueira, vindo de Penedo, no eixo da Rodovia Presidente Dutra (Rio – São Paulo). Partira, neste mesmo dia, de Petrópolis e meu destino final, nesta viagem, como em tantas outras vezes, seria o Mato Grosso. A estiagem deste ano se estendera por demais e o inteiro país sofrera com as queimadas e o ar seco, que causara grandes transtornos à população. Minha subida, pela estradinha íngreme, que liga a Rodovia Dutra a Visconde de Mauá foi realizada em meio a intenso calor, condição bastante incomum, nesta região. A estrada se encontrava em plena obra de asfaltamento, trabalho decididamente dificultado pela forte inclinação das encostas e agravado pelo pó, que encobria trabalhadores e usuários, devido à seca.

(observação: Em Primavera do Leste, no Estado do Mato Grosso, destino final desta viagem, as últimas chuvas haviam caído no dia 05 de abril deste ano e, quando lá cheguei, no dia 27 de setembro, ainda persistia a forte estiagem, encontrando-se a atmosfera tomada pela fumaça dos incêndios, que se alastravam descontrolados, por todos os lados. A primeira chuva somente viria a cair por volta do dia 01 de outubro, completando quase seis meses de completa estiagem.)


Ainda existem consideráveis reservas de florestas de altitude, ao longo da estrada, que se encontravam razoavelmente conservadas, na ocasião desta viagem. Mostram características nítidas de florestas estacionais, a despeito de grande quantidade de epífitas que carregam, nos seus galhos. Destacam-se as bromélias, especialmente as Vriesea bituminosa e plantas do grupo, assim como Aechmea distichantha, que apresenta variedade bastante característica, parecendo se tratar de A. distichantha var. distichantha. Os Asplenium sp. também marcam a paisagem epífita, sendo numerosos e apresentando folhas de porte considerável.

Outro elemento marcante das florestas altitudinais, na encosta voltada ao rio Paraíba, são os palmiteiros (Euterpe edulis – Família Arecaceae), que surgem em notáveis populações, parecendo terem sido semeados artificialmente. A floresta é muito densa, semelhante àquela que se vê na mesma seção de encostas da Serra da Mantiqueira, mais adiante, na subida para Campos do Jordão, em São Paulo. Aqui, porém, parecem mais conservadas do que lá.

A virada da serra, mais perto de Mauá, representa notável divisor vegetacional, acompanhando solos mais profundos e encostas mais suavemente inclinadas, formando um reverso serrano. Nota-se a presença das araucárias (Araucaria angustifolia – Família Araucariaceae), sugerindo já terem ocorrido, de forma natural, nos vales e altas encostas interioranas do vale do rio Preto. Hoje, porém, parecem apenas se manter na paisagem à custa da vontade humana. Também aqui, a floresta estacional de altitude em muito se assemelha àquela dos vales internos de Campos de Jordão. Porém, em Visconde de Mauá, ao contrário de Campos de Jordão, os vales internos se mostram bastante alterados e as matas se concentram predominantemente na calha dos rios. De modo diferente daquelas matas da Mantiqueira Paulista, não se observavam os pinheirinhos (Podocarpus lambertii – Família Podocarpaceae), que abundam em todas as florestas que circundam Campos do Jordão.

(Observação: Visconde de Mauá, no Estado do Rio de Janeiro, está situada na alta bacia do rio Preto, que pertence, por sua vez, à bacia do rio Paraíba do Sul. Parecem existir profundas diferenças ecológicas e, por conseguinte, vegetacionais, entre a bacia do Paraíba do Sul e a do rio Grande, que possui nascentes pouco mais ao norte, nos reversos serranos da Mantiqueira, para onde seguia esta viagem, chegando à alta bacia do rio Aiuroca. Seguramente, a extensão pretérita das araucárias possuía limites condicionados por esta barreira montanhosa.)

Paradas realizadas, ao longo do vale do rio Preto, revelaram muitas bromélias, entre aquelas já referidas e algumas outras Vriesea, que pareciam ser do grupo de Vriesea ensiformis, assim como de Vriesea interrogatoria, além de uma infinidade de Tillandsia spp.: Tillandsia geminiflora, T. stricta, T. tenuifolia e, aparentemente, muitas outras espécies. Orquídeas como Epidendrum densiflorum e Bifrenaria cf. inodora foram avistadas, sempre em meio aos Asplenium sp. e espessas camadas de briófitas, a cobrir os troncos e galhos das árvores – Tudo isso muito ressecado, devido ao avançado da estiagem e ao ar seco. Os xaxins também abundam, nas margens dos rios.

No dia seguinte, partindo da localidade de Maringá, onde me hospedei, segui um caminho pouco frequentado, rumando para a outra vertente da Serra da Mantiqueira, voltada para o Sul de Minas Gerais. Pretendia cruzar a Serra o mais próximo possível de sua área nuclear, que está situada no altiplano interno das Agulhas Negras. Meu objetivo era a região de Aiuroca, próximo à qual já passara, diversas vezes, na rodovia que liga Juiz de Fora a Caxambu. Passando por diminutas localidades, tais como Mirantão e Santo Antônio, que guardam aspecto bucólico, muito isoladas que são, encontrei uma rudimentar estradinha, partindo dos arrabaldes da segunda cidadezinha citada. Tratava-se de via extremamente precária, cortando encostas profundamente inclinadas, pela qual fui obrigado a trafegar com extremo cuidado, em marcha totalmente reduzida, mesmo seguindo num veículo 4 X 4, apropriado àquelas dificuldades.

Durante toda a manhã, período que durou minha travessia serrana, nenhum veículo cruzou por mim, em qualquer sentido, tampouco tendo eu avistado, naqueles altos montanhosos, qualquer pessoa, a pé ou a cavalo. Para minha grata surpresa, encontrei os mais conservados fragmentos de florestas de araucária que já pudera avistar, em solo mineiro. Isoladas em vales escondidos e circundando serenos córregos, de águas absolutamente cristalinas, estendiam-se consideráveis florestas, perfeitas réplicas daquelas a que me habituara a percorrer, na Serra Gaúcha, mais de mil e quinhentos quilômetros ao sul. Araucárias altaneiras, algumas revestidas de Usnea e abrigando grande quantidade de bromélias, elevavam-se em grupos numerosos, em meio à floresta estacional de altitude, que mostrava aparente similaridade botânica com suas correlacionáveis meridionais.



O aspecto subtropical parecia corresponder a similaridades florísticas, uma vez que avistava grande quantidade de mirtáceas micrófilas, assim como de anacardiáceas e lauráceas. Tudo isso demandaria, seguramente, exames cuidadosos da verdadeira composição florística dessas matas de araucária que, de forma diversa daquelas ocorrências meramente sugestivas, do vale do rio Preto, bem abaixo, na região de Visconde de Mauá, mostravam inquestionável autenticidade. Porém, mesmo sem contar com os meios e o tempo de proceder a investigações mais detalhadas, encontrei indicadores inequívocos da ligação florística entre essas florestas mistas de araucária e suas versões meridionais. Entre esses indicadores, havia diversas bromélias e orquídeas relacionadas: Vriesea friburgensis não se mostrava muito numerosa, mas estava presente, com sua forma vinácea; Tillandsia tenuifolia e T. cf. aeranthos vegetavam com o mesmo vigor de suas parentes gaúchas e paranaenses; Pleurothallis sonderana abundava sobre os galhos retorcidos e revestidos de musgos, na margem dos riachos murmurantes.

O pinheirinho Podocarpus lambertii estava ali presente, ocupando seu lugar característico, no estrato arbóreo médio e sub-bosque, dos locais mais densos e conservados. Revestiam-se de bromélias, tais como Aechmea distichantha, Nidularium sp. e Vriesea cf. sceptrum, que ocupava o lugar de Vriesea reitzii, do RS e PR. A delicada Billbergia distachia (Bromeliaceae)  abundava, sendo também comum às matas do rio Preto, mais abaixo. A orquídea Christensonella pumila  em densas populações, juntava-se a espécies de Pleurothallis, recobrindo praticamente todas as superfícies disponíveis de troncos grossos e retorcidos da floresta densa. Também se viam aráceas diversas e bastante musgo, encontrando-se todo esse conjunto severamente afetado pela seca prolongada.

Um aspecto curioso cercava a ocorrência também característica das samambaias-xaxim (Dicksonia sellowiana – Família Dicksoniaceae), nas margens dos córregos cristalinos, relacionando-se à já referida severidade da seca de 2010. Ocorria que a grande maioria dos exemplares da samambaia, mesmo tendo seus pés sobre as margens perenemente úmidas dos regatos, junto a numerosos Blechnum sp. (Família Blechnaceae), mostrava suas frondes completamente queimadas, chegando mesmo a sugerir sua morte iminente. A despeito da evolução eventualmente maligna deste quadro, que eu talvez não venha a ter oportunidade de constatar, uma coisa parecia bastante evidente: O frio, que andara por ali, recentemente, seguido da prolongada estiagem, parecia ter representado fato climático inegavelmente excepcional, neste ano. Assim, mesmo tendo garantido seu suprimento de água no solo, os samambaiuçús não haviam resistido ao calor, seguindo-se ao frio intenso, e à secura do ar que sobreviera, com altos índices de irradiação ultra-violeta, aos quais não estavam adaptadas.

No interior da floresta, os exemplares de Dicksonia sellowiana observados, mesmo vegetando sobre solo seco, longe dos rios, não se mostravam igualmente torrados, apesar de se mostrarem com aspecto triste. Sobre o solo dessas florestas, surgiam densas populações de bromélias Nidularium sp., juntamente com exemplares de Anthurium sp. (Família Araceae) e numerosos arbustos da família Rubiaceae. Pouco adiante, avançando pela exígua estradinha, comecei a perceber outro aspecto de similaridade com as paisagens típicas da Araucarilândia: eram os campos de altitude, aqui bastante alterados e quase confundidos com pastagens abertas artificialmente. Encontravam-se marcados por longa história de exploração pecuária, mas não haviam perdido seus elementos característicos, tais como as diminutas melastomatáceas campestres, que podiam se avistadas, pontuando o domínio irreversível das pastagens.



O corte recente da estrada, realizado por máquinas, exibia também o perfil típico dos solos campestres, com a camada humosa bem definida, de coloração negra, no horizonte mais superficial. Sabe-se que a floresta de araucária costuma ocorrer em mosaicos complexos, juntamente com os campos de altitude, desde o Sudeste, até a Região Sul, onde encontram sua expressão mais notável, nos campos de cima da serra, no Rio Grande do Sul. Os pinheirais avançam sobre os campos, realizando a tarefa pioneira de substituí-los, ao longo do tempo, pelas florestas densas. Ali, no altiplano sul-mineiro, eu observava os indícios, já bastante alterados pelo homem, deste processo fitogeográfico.

Cruzei ainda nova linha divisória de relevo, que confina esse domínio tropical de altitude, perdido no coração da Mantiqueira, passando a descer, de modo bastante abrupto, na direção da localidade de Alagoa, no vale do rio Aiuroca. A partir desta vertente, ela também mostrando características de reverso interiorano de serra, com solos mais profundos e evoluídos, a paisagem botânica passou a se mostrar definitivamente marcada por elementos da floresta estacional sul-mineira. Praticamente desapareceram de vista as araucárias, que somente ocorriam de forma artificial, junto a cercas e áreas rurais. As epífitas se reduziam a poucas populações de bromélias, no fundo das grotas mais abrigadas, decrescendo notavelmente sua diversidade. Deixei definitivamente o domínio das florestas tropicais de altitude, com seus pinheirais e suas epífitas, passando por Alagoa e Aiuroca e ganhando a Rodovia BR267, que liga Juiz de Fora a Caxambu, pela qual já passara diversas vezes, seguindo minha longa viagem ao Centro-Oeste.  




Aspecto da floresta mista de araucárias, entre Itatiaia e Alagoa, na Serra da Mantiqueira

Bromélias Vriesea sceptrum são características das florestas de altitude da Serra da Mantiqueira, entre Minas Gerais e Rio de Janeiro

Samambaiuçus da espécie Dicksonia sellowiana – de pé, na margem esquerda do riacho - se mostravam severamente afetadas pela seca de 2010, que se sucedera ao intenso frio do inverno

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