Ainda contando com a indispensável companhia de meu amigo Sérgio Basso, insubstituível guia pelas
paisagens do Sudeste do Mato Grosso, pude conhecer o médio vale do rio das
Mortes, a norte da rodovia BR070, entre os municípios de Primavera do Leste,
General Carneiro e Novo São Joaquim.
O rio das Mortes, que atravessa a Reserva Natural da Fazenda Ipanema (veja postagens - http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2017/03/investigando-floresta-galeria-da.html ), nasce na Serra de
São Vicente, a oeste, atravessando extensa superfície de chapadas planálticas,
na região visitada, e infletindo progressivamente a nordeste, para se juntar ao
Araguaia, na Ilha do Bananal.
Embora drenando bacia diversa daquelas que escavaram o
célebre Planalto dos Alcantilados,
ao sul (alto rio das Garças – correndo ao Araguaia; e rio Vermelho – correndo
ao Pantanal), esse setor do rio das Mortes congrega paisagens ainda similares
às daquele, com imensos morros-testemunha, à forma de mesas ou tepuis,
alternando-se com planalto colinoso, cujas cimeiras são os famosos chapadões
planos, hoje cobertos por lavouras de grãos.
Nossos principais
interesses, nesta expedição: examinar diversos morros-testemunho, com sua flora
residual; e conhecer as admiráveis cachoeiras do rio das Mortes, ao redor das
quais se concentram afloramentos rochosos, com flora característica rupícola e
saxícola.
Veja, adiante, alguns aspectos fitogeográficos e botânicos
relevantes, que acompanham as imagens desta expedição:
A seguir – No caminho para a depressão do vale do rio das Mortes, a
pecuária já transformou bastante a paisagem botânica, embora alguns elementos
ainda sobressaiam, como a bromeliácea Bromelia balansae, espécie bastante
característica da região
Adiante – Pequenos morros-testemunho são marcos típicos da paisagem
arrasada do vale do rio das Mortes. Um dos objetivos da viagem era
investigar-lhes a vegetação e a ecologia
Acima – A esperança de encontrar flora endêmica de afloramentos,
com elementos como bromélias, orquídeas, aráceas e cactáceas se esvaiu, quando
galgamos alguns desses morrotes, que não passavam de refúgios de cerrados
rupestres, formados sobre solos clásticos, compostos de miríades de pedras
trituradas pela erosão das rochas restantes de seus cimos quase estéreis
Abaixo – Esses morrotes isolados, em meio a vastas áreas de
cerrados, nada mais representam que testemunhas de suas antigas superfícies de
cimeira, sobre as quais, em passado de Terciário a Quaternário inicial,
dominavam vegetações arbóreas relacionadas ao Cerrado. A flora herbácea que
procurávamos, se um dia existiu, foi lentamente extinta, em função de processos
biogeográficos característicos de ilhas (Biogeografia de Ilhas)
Adiante – O apogeu da expedição se deu mesmo na margem do rio das
Mortes, próximo aos saltos da Cachoeira da Fumaça, pertencente ao município de Novo São Joaquim, onde encontramos
ecossistemas de imenso interesse botânico – afloramentos rochosos ribeirinhos.
Entre grandes lajeiros de arenito expostos ao sol inclemente, vegeta flora
notável por seus elementos herbáceos saxícolas: bromeliáceas, cactáceas,
velosiáceas principalmente.
Veja o vídeo que
mostra um dos principais saltos do rio das Mortes:
Tudo isso abrigado
entre arvoretas e arbustos adaptados, alguns deles provavelmente endêmicos da
região
Acima – Uma espécie de bromélia, que acreditamos se tratar de Bromelia sylvicola, representava elemento notável, ocupando nicho bastante específico e produzindo inflorescência bastante singulares.
Acima – Uma espécie de bromélia, que acreditamos se tratar de Bromelia sylvicola, representava elemento notável, ocupando nicho bastante específico e produzindo inflorescência bastante singulares.
Acima – Algumas das flores de Bromelia cf. sylvicola apresentavam
tonalidade quase alva, emergindo entre brácteas escapais recobertas de lanugem
também esbranquiçada. As plantas, de modo geral, diferem bastante de Bromelia balansae, espécie dominante nos
cerrados do sul do Mato Grosso
Adiante – Ilhas de vegetação arborescente formam como que abrigos
naturais à flora saxícola do rio das Mortes. São cajuzinhos (Anacardium
humile – Anacardiaceae), cambarás (Vochysia spp. – Vochysiaceae), pequizeiros (Caryocar brasiliense –
Caryocaraceae), muricis (Byrsonima affinis – Malpighiaceae) e
rabos-de-arara (Norantea guianensis – Marcgraviaceae), além de inúmeras
mirtáceas e fabáceas adaptadas ao ambiente extremo
Acima – A vegetação típica se debruça sobre o canal muito encaixado
do rio das Mortes, neste trecho rochoso dos saltos
A seguir – Um dos mais marcantes achados foram numerosas populações
de outra espécie de bromeliácea, que se espalham por sobre os afloramentos de
arenito, chegando a formar largas touceiras. Pertenciam ao grupo de plantas que
temos buscado investigar, ao longo do Mato Grosso – Dyckia spp. – que
representa importante indicador de migrações e adaptações botânicas ocorridas
nos últimos milhões de anos, nesta parte do Brasil, provavelmente acompanhando
antigos corredores áridos e frios
Acima – Essas micropaisagens de Dyckia sp. e Bromelia
cf. sylvicola são também marcadas por Vellozia sp., Barbacenia
sp. (Velloziaceae) e decorativas cactáceas epifíticas (Hylocereus setaceus), que
emprestam ao local uma fisionomia extremamente ornamental - Abaixo
Acima – Fruto pedunculado do cajuí, ou cajuzinho-do-cerrado (Anacardium
humile – Anacardiaceae), arvoreta que se mostra muito expressiva na
flora dos afloramentos do rio das Mortes, em Novo São Joaquim
Acima – Embora não formasse populações tão notáveis, quanto as
demais bromeliáceas, Ananas ananassoides estava presente
na vegetação saxícola, como a lembrar a hegemonia indissociável do Cerrado, do
qual é planta indicadora
A seguir – O ambiente mais próximo ao canal do rio das Mortes é
notadamente mais úmido e abriga flora um tanto mais diversa daquela encontrada
nos afloramentos de arenito acima: arvoretas mais diversificadas, palmeiras
justafluviais e diversas aráceas se exibiam à vista, em meio ao frescor do
spray das cascatas
Acima – Urospatha sagittifolia (Araceae) se adapta bem ao ambiente semiaquático junto ao caudal do rio das Mortes
Acima – As lindas flores de Jacaranda cuspidifolia (Bignoniaceae)
Acima – Curioso registro de plantas aquáticas dessecadas durante o período de baixa do rio das Mortes
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