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No dia 25 de junho de 2017 , partimos Cledson Barboza , Maurício Verboonen e eu, no rumo da Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro,...

domingo, 7 de julho de 2019

EXPEDIÇÃO À SERRA DO RONCADOR – FEVEREIRO DE 2019



Nos últimos dias de fevereiro de 2019, partimos Sérgio Basso e eu na direção da lendária Serra do Roncador, no leste do estado de Mato Grosso, saindo de Primavera do Leste. Seguiríamos uma direção já por nós conhecida em parte, cruzando o rio das Mortes e a Cachoeira da Fumaça, lugar que havíamos investigado havia algum tempo – ver Expedição ao Médio Vale do rio das Mortes . A Serra do Roncador sempre se viu envolta no misticismo e nas lendas, desde que o geógrafo e expedicionário inglês Coronel Percy Fawcett desapareceu na região, em 1925, quando procurava pela cidade perdida, que denominara Z. Seu verdadeiro paradeiro  jamais foi suficientemente desvendado, embora se acredite que possa ter sido assassinado por tribos indígenas que povoavam a região, naqueles tempos, ou até mesmo que tenha sido vítima de bandidos errantes.

O mistério do Coronel Fawcett já inspirara inúmeras outras expedições, que misturavam a busca pelo viajante com a esperança de realmente encontrar algum lugar paradisíaco, com indícios da vinda de seres extraterrestres. O fato é que, em nosso caso, nada mais buscávamos, os dois expedicionários do Século XXI, que a botânica daquelas terras, que correspondem a compartimento ainda não suficientemente conhecido pela ciência, embora a colonização agropecuária há muito já lhe tenha dominado a paisagem.

Apesar de ainda até hoje suscitar olhares míticos, por parte do próprio povo do Mato Grosso e Vale do rio Araguaia, ao qual se encontra diretamente relacionada, a Serra do Roncador propriamente dita não representa cadeia montanhosa digna de nota. Aliás, esse maciço nada mais é do que um conjunto de superfícies de cimeira testemunho de gigantescos processos de erosão ocorridos entre o Terciário e o Pleistoceno, resultando em platôs elevados na faixa dos 850m, entre a Barra do Garças e Nova Xavantina, além de cristas residuais sem expressão, que se estendem rumo ao norte do estado, acompanhando a depressão do rio Araguaia. A bela Serra Azul, que cerca a cidade de Barra do Garças, é disjunção da Serra do Roncador, possuindo natureza rigorosamente idêntica.

Sob enfoque biogeográfico, a Serra do Roncador realmente reúne características bastante importantes, sendo parte da soberba torção do Arco de São Vicente, que liga geneticamente a borda do Pantanal do Mato Grosso à Depressão do Araguaia, formando uma cicatriz neotectônica notável – veja imagem Google anexada. O grande geógrafo Aziz Ab’Sáber postulou com precisão a origem sincrônica dessas duas depressões, surgidas pelo alívio de ciclópicas tensões tectônicas, entre o final do Terciário e o Quaternário inferior. A oeste, a subsidência da imensa planície pantaneira drenou a região da bacia do rio Paraguai, enquanto a leste, entre os estados do Mato Grosso e Goiás, surgiu o famoso rio Araguaia, cada um dos dois seguindo rumos opostos, o primeiro na direção da Bacia do Prata; o segundo acompanhando o Tocantins, rumo ao Amazonas.

Essa força neotectônica serviu para condicionar, ao longo dos dois últimos milhões de anos, a redistribuição de uma flora pretérita que dividia elementos amazônicos e meridionais, sendo notáveis seus efeitos nas paisagens de tepuis e mesas que se espalham pelo corredor de pediplanos profundos espalhados desde Cuiabá e Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, até o encontro dos rios Garças e Araguaia, na cidade chamada Barra do Garças, divisa com Goiás. Veja também a expedição à região de Nobres, no Mato Grosso, que contemplou seção importante do Arco de São Vicente – Expedição às Paisagens de Calcário de Nobres - As paisagens de frentes de cuestas elevadas ainda segue dali para Mossamedes, Jataí e Mineiros, em Goiás, acompanhando a fratura do Planalto Central. Mas, para efeitos de nosso interesse momentâneo, o Arco de São Vicente e a Serra do Roncador representavam o foco de nossas investigações geográficas e botânicas.

Acompanhe um pouco do que vimos, nesta viagem, nas imagens que se seguem:



Abaixo – Imagem extraída do Google Earth mostrando a localização da Serra do Roncador, acima de Barra do Garças, no Vale do rio Araguaia





Acima – Em nossa saída de Primavera do Leste, rumo à Serra do Roncador, enfrentamos muita chuva, no vale do rio das Mortes, o que chegou a nos deixar temerosos de fracassar em nossa expedição. O tempo não melhorou muito, mas conseguimos concluir o percurso com sucesso

Adiante – Seriemas (Cariama cristata – família: Cariamidae) são marcos faunísticos do Centro-Oeste do Brasil e convivem com a paisagem agropecuária do Mato Grosso




A Seguir – Ainda que enfrentando tempo nublado, conseguimos divisar algumas das paisagens de frentes de cuestas que celebrizaram a Serra do Roncador, emprestando-lhe aspecto místico, o que atrai muita gente para conhece-la




Acima – Chegando aos contrafortes da Serra do Roncador, entre Barra do Garças e Nova Xavantina

Adiante – Bandos de maracanãs-pequenas (Diopsittaca nobilis – família: Psittacidae) visitavam as árvores, ao pé da Serra do Roncador



A Seguir – Na saia das frentes de cuestas e planaltos tabuliformes da Serra do Roncador, abundam castelos e mesestas ruiniformes, que são restos indecompostos do processo erosivo que vem modelando o maciço, há mais de dois milhões de anos. Esses rochedos areníticos guardam surpresas fascinantes, tanto no que se refere à sua flora, quanto aos sinais da passagem de paleoíndios, que habitaram o abrigo dessas morrarias, milhares de anos atrás




Acima – O exame detido das formações ruiniformes da Serra do Roncador permite não apenas observar populações de velosiáceas do gênero Vellozia, que vegetam diretamente sobre o arenito, mas também revela camadas de stone-lines de idade provavelmente Cretácea, na forma de depósitos de seixos rolados aprisionados no sedimento de arenito – veja a base da rocha


Acima – Palmeirinha típica do Cerrado (Syagrus flexuosa – família: Arecaceae) se abrigando sob a proteção de afloramentos rochosos da Serra do Roncador


Adiante – duas imagens – Os mais genuínos cerrados rupestres habitam os vales anfractuosos que se entremeiam aos rochedos ruiniformes da franja da Serra do Roncador. A Fitogeografia reputa a estas fisionomias particulares de vegetação savânica a origem de grande parte do estoque arbóreo que caracteriza o cerrado stricto-sensu, país afora




Acima – O cerrado rupestre encontra substrato fundamental nos lençóis de seixos e pedras fragmentares que recobrem a rocha ainda coesa das superfícies de cimeira da Serra do Roncador. Subsistem de parcos depósitos de colúvios e procuram umidade no coração da terra, enfiando suas raízes persistentes nas frestas e fraturas do arenito

Abaixo – Sobre o cume de um dos morros-testemunho da Serra do Roncador, surge uma Norantea guianensis (família: Marcgraviaceae), planta dramaticamente adaptada ao ambiente rupícola. Suas raízes buscam provimento morro abaixo, sendo possível observar a linha de seixos na escarpa erodida do morrote



Acima – A cactácea Cereus bicolor habita a Serra do Roncador. Outrora, vinha sendo confundida com sua congênere C. hildmannianus, cuja dispersão se dá, na verdade, no sentido de São Paulo e Paraná, atingindo o Sudeste e Sul. São claramente vicariantes entre si

Adiante – Pequenas cavernas, encravadas nos castelos ruiniformes da Serra do Roncador, exibem petroglifos grafados há milhares de anos por paleoíndios, que habitaram todo o Centro-Oeste. Seu estado de conservação é visivelmente crítico, não contando com qualquer proteção contra o vandalismo e a própria erosão




A Seguir – Uma das paisagens botânicas mais representativas do topo da Serra do Roncador é mesmo uma grande extensão de cerrados rupestres, que se mesclam aos afloramentos de arenito que lhe condicionam. Nesta área, pode-se examinar detidamente o processo de exumação do stone-line que domina boa parte da cimeira da serra. Os seixos diminutos, os maiores com as dimensões de um ovo de galinha, podem ser vistos ainda aprisionados no sedimento que formou a rocha de arenito, entre 145 e 66 milhões de anos antes do presente, provavelmente. A rocha arrasada pelo clima atual libera essa miríade de seixos quartzíticos, que se depositam à forma de cangas decorativas e abrigam plantas singulares, como se observa a seguir:




Acima – As clareiras limpas e destituídas de vegetação não foram criadas pela devastação humana, sendo na verdade produto da aridez relativa do substrato pedregoso grosso assentado diretamente sobre a rocha. Notar as palmeirinhas acaules Allagoptera cf. leucocalyx que habitam essas clareiras e sustentam a fauna local com seus coquinhos

Abaixo – As poucas arvoretas que habitam as manchas de solos mais profundos se concentram em manchas de geografia complexa, tendo certamente muito a ver com a atividade de cupins e formigas, cujos ninhos marcam a micropaisagem local e sobre os quais se concentram bromeliáceas como Bromelia sp. e Ananas ananassoides


Acima – Um dos elementos arbóreos mais importantes desse trecho de vegetação é uma laurácea – Mezilaurus crassiramea, vista ao centro da imagem e abrigando Bromelia sylvicola sob sua copa

A Seguir – Planta bastante ornamental, embora injustamente desconsiderada pela jardinocultura tropical, é Himatanthus sucuuba (família: Apocynaceae), cujas folhas elegantes e flores alvas bem se prestariam ao cultivo em nossas cidades








Acima – Hymenaea cf. stigonocarpa (família: Fabaceae) e suas lindas flores

Adiante – Nosso interesse maior eram mesmo os inimitáveis jardins naturais de rochas, que surgiam escondidos, em meio aos fragmentos de cerrados rupestres, tendo como sinalizadores paisagísticos algumas vistosas Vellozia sp. (canelas-de-ema da família Velloziaceae), sob cujas frondes em forma de rosetas suspensas e, em meio ao cascalho delicadamente arranjado, despontavam cactáceas globuliformes e bromeliáceas espinescentes do gênero Dyckia:





Acima – Discocactus heptacanthus é uma cactácea esférica, que facilmente se esconde entre seixos ou sob a folhagem seca, mas sob sol pleno. Suas flores são noturnas e, talvez graças a isso, conseguem passar despercebidas pela mania coletora dos populares


Acima – As bromélias do gênero Dyckia representam enigma evolutivo-adaptativo de uma extensa região compreendida entre Mato Grosso do Sul, Goiás e Mato Grosso, sugerindo contar histórias ainda não desvendadas do passado Quaternário de parte do Centro-Oeste. Na Serra do Roncador, encontramos esta espécie ainda não identificada, a mesma que habita a Serra Azul, próximo à cidade de Barra do Garças



Acima – Dyckia sp. em flores, na Serra do Roncador


Acima – Orlando Graeff examinando Dyckia sp.
Abaixo – Sérgio Basso posa junto a um dos admiráveis jardins naturais da Serra do Roncador



Abaixo – Em nosso caminho de volta a Primavera do Leste, encontramos uma população de bromélias Dyckia cf. secundifolia, muito próxima à margem da rodovia BR070, vegetando algumas diretamente sobre a rocha nua e escaldante




Acima – Gralha-do-campo (Cyanocorax cristatellus – família Corvidae) que assistia a nosso trabalho, no topo da Serra do Roncador


2 comentários:

  1. Região maravilhosa onde ocorrem muitas Dyckia ainda desconhecidas! Pretendo retornar a essa Região no próximo ano!

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  2. Muito lindas as imagens. Cenários espetaculares.

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